sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Intervenção do Ministério Publico (subturma 12)

Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
Exmos. Senhores Juízes de Direito,


Intentadas as Acções Administrativas Especiais de Impugnação de Acto Administrativo de deliberação de reabertura da reunião do CJ após “encerramento” da mesma pelo Presidente do CJ, e a consequente Anulação dos Actos Administrativos posteriormente praticados na mesma:
- Acto Administrativo de revogação do despacho de impedimento;
- Acto Administrativo de revogação, com fundamento em ilegalidade, da decisão de encerramento da reunião proferida pelo Presidente do Conselho de Justiça;
-Impugnação, mais concretamente, declaração de nulidade, de Acto Administrativo de suspensão preventiva com efeitos imediatos do Presidente Dr. Tomaz Amaral, deliberado pelo CJ na segunda parte da reunião e Condenação à Prática de Acto Devido de deferimento dos recursos interpostos a 15 de Maio de 2008 dos acórdãos disciplinares da Comissão Disciplinar da Liga Cash & Carry, os quais sancionaram o Belavista Futebol Clube, Futebol-SAD e o Oporto Futebol Clube, Futebol-SAD, bem como respectivos presidentes, pela prática das infracções disciplinares tal como indicadas no Comunicado Oficial n.º 211/07-08, pp. 3 a 8 (v. anexo I), com intervenção do tribunal colectivo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 40.º e n.º 3 do artigo 6.º, ambos do ETAF e n.º 2 do artigo 34.º do CPTA.

Nos termos do nº1 do artº. 219º da CRP e artº. 85º do CPTA, considerando útil e necessária a sua intervenção junto deste Tribunal, vem o Ministério Público considerando estar ínsitos interesses públicos relevantes, pronunciar-se sobre o mérito da causa:

A Federação Popular de Futebol é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, sem prejuízo de ter sido declarada de utilidade pública em 15 de Junho de 1978 (D.R., II, de 20-6-78), e ter sido declarada de utilidade pública desportiva em 1 de Setembro de 1995 (D.R., II, de 14-9-95). O futebol tem valências a nível da coesão social, do desenvolvimento integral da pessoa humana, do seu impacto económico e da sua projecção política, estando assim em causa valores comunitários e/ou interesses públicos especialmente relevantes.


Quanto aos impedimento do presidente do CJ:

Questão prévia:
Não estando incluídas na ordem do dia quaisquer menções a deliberações sobre impedimentos, já tendo todavia o presidente a intenção de declarar impedido o vogal Dr. Fintas, teremos de concluir que as mesmas não respeitaram a regra geral relativa à ordem do dia. A ordem do dia consiste na indicação dos assuntos a serem tratados na reunião. A exigência da ordem do dia ser entregue a todos os membros dos órgãos colegiais, com uma antecedência mínima de 48 horas antes do início da reunião, destina-se a permitir a formação de uma vontade esclarecida, por parte dos intervenientes.
Não se aplica a esta reunião, devida à sua natureza extraordinária, conforme o exposto nos art.s 16º e 17º do CPA, a ressalva do art. 19º do CPA, i. e., a possibilidade de alteração à ordem do dia. No entanto é de considerar que tal afirmação não deve ser admissível sem a correcta leitura do art. 45º, nº2 do CPA que consagra que ”até ser proferida a decisão definitiva ou praticado o acto, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento…”.


Quanto ao impedimento do Presidente do CJ:

O Capital do Móvel FC, entregou um requerimento de declaração de impedimento do Presidente do Conselho de Justiça em relação à apreciação dos recursos interpostos, pois o Presidente do CJ foi durante quinze anos Presidente do Conselho de Justiça da Associação de Futebol do Oporto, o que teria contribuído para a existência de estreitas relações de amizade, com os interessados envolvidos. Ora, constitui dever de comunicação do Presidente do CJ, incluir na ordem do dia quaisquer requerimentos de interessados nos termos do art. 45º, nº2 do CPA, a fim de assegurar a regularidade das deliberações, uma das suas funções enunciadas no art. 14º, nº2 do CPA. O Presidente do CJ não se declarou impedido, nem colocou na ordem do dia a discussão do requerimento perante o Plenário do CJ, o que constitui grave violação dos Princípios Gerais de Direito. O conhecimento da existência de um requerimento de um interessado para a declaração de impedimento, implica mesmo a Auto-Suspensão por parte do titular, órgão ou agente até à decisão do incidente, nos termos do art. 46º, nº1 do CPA.
Apesar de tudo, não se nos afigura subsumível ao art. 44º do CPA a circunstância arguida pelo Capital do Móvel FC, pelo simples facto de o elenco ser taxativo, e tal facto não preencher nenhuma das suas alíneas. É nosso entender, que tal circunstância deveria constituir antes fundamento de escusa ou suspeição ao abrigo do art. 48º do CPA, na medida em que para tal basta que ocorra a circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta, sendo a enumeração de hipóteses nas alíneas do nº1 meramente exemplificativa.


Quanto ao impedimento do Dr.Fintas:

Atendendo ao que já foi dito, o facto do Dr. Fintas cumular dois cargos, o de Relator do processo e o de Vogal do CJ, nos termos do art. 13º, nº2 dos Estatutos Da Federação Portuguesa de Futebol (EFPF), constitui uma situação genérica de incompatibilidade vedada nos termos da lei, mas não de impedimento nos termos do art. 44º e 45º, nº3 do CPA. Tais impedimentos são taxativos, e nenhum deles se afigura nos argumentos apresentados pelo Presidente do CJ.
O meio processual adequado para a situação de incompatibilidade, resulta da conjugação dos art.s 71º, nº2 e 3 dos EFPF, o que por sua vez, é cominado com a perda de mandato nos termos do art. 17º, al. c). do mesmo diploma.
A decisão do Presidente do CJ, consubstancia assim, um vício de usurpação de poderes por invasão de atribuições alheias, visto que só a Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol tem competência para determinar a incompatibilidade e subsequente perda de mandato, conforme o exposto nos art.s 23º, nº5 e 71º, nº4 dos EFPF. A declaração de impedimento pelo presidente do CJ, com base em argumentos de incompatibilidade, consubstancia uma falta de atribuições e não uma mera falta de competência, até porque no âmbito da FPF impera uma rígida separação de poderes. Logo estaríamos perante um caso de nulidade conforme o disposto no art. 133º, nº2, al.b) do CPA, visto estarmos perante um caso de incompetência absoluta e não perante um caso de incompetência relativa, caso em que se reconduziria à mera anulabilidade do art. 135º do CPA.


Quanto à decisão de encerramento da reunião proferida pelo Presidente do Conselho de Justiça, há que fazer as seguintes considerações:

O art. 133º, nº2, al. g) do CPA visa garantir duas coisas: a liberdade e integridade física dos membros e as condições para decidir, através do voto livre e esclarecido. O conceito de “tumulto” reflecte situações de grande desordem, algazarra e/ou violência física entre os membros dos órgãos. Como não existiu nem coacção verbal, nem física, apenas existiu nervosismo e alguma tensão, tais situações não se subsumiram à norma em causa, nem tão pouco ao adjectivo tumultuoso. Pela matéria de facto exposta, nada nos indica, assim, que a reunião decorreu num ambiente tumultuoso.
Ainda que ao Presidente do CJ caiba o poder de dirigir e orientar os trabalhos das reuniões, nos termos do art. 9º, al. b) do Regimento do Conselho de Justiça (RCJ), o poder de encerrar antecipadamente as mesmas ao abrigo do art. 14º, nº3 do CPA, não é um poder inteiramente livre ou discricionário, mas em grande parte condicionado ou vinculado.
Para além do mais, é sempre necessário a averiguação casuística do Principio da Proporcionalidade do art. 4º do CPA ,i. e., a opção tomada pelo Presidente do CJ terá sido a menos gravosa e adequada aos fins pretendidos com a realização da reunião? Cremos que não. Era exigido outro comportamento ao presidente do CJ. Teria sido preferível suspender nos termos do art. 14º, nº3 do CPA, não só porque era a opção menos gravosa para o interesse público, como também existia uma grande urgência na decisão dos recursos interpostos, na medida em que o sorteio do calendário da Liga Cash & Carry 2008/2009 se iria realizar na segunda-feira seguinte. Infelizmente, tal não foi a opção do Presidente do CJ.
Enquanto presidente de um órgão colegial no exercício de funções públicas, a sua actuação, não se pautou pela prossecução do interesse público, nem do interesse público geral, nem do interesse público da reunião a que presidia, nem do interesse público desportivo no âmbito do futebol.
Ainda assim, mesmo para suspender ou encerrar a reunião, nos termos do já referido art. 14º, n.º 3, tal só seria possível “quando circunstâncias excepcionais o justifiquem”. Este conceito indeterminado tem um âmbito restrito que pressupõe cumulativamente além da existência de tais circunstâncias, o facto de que elas imporem como a melhor opção o encerramento antecipado, tendo de ser devidamente fundamentado. E quais são essas circunstâncias excepcionais? Estariam verificadas no caso em apreço? Como o próprio nome indica, são acontecimentos que não são normais, nem correntes de uma reunião de um órgão colegial, mas sim muito invulgares e gravosos, tais como: a morte ou doença súbita de um dos seus titulares, um alarme de bomba, catástrofes naturais, … Estas sim são situações extraordinárias. Ainda que destas se tratassem, sempre existiria o dever legal de fundamentação, elemento essencial de qualquer acto administrativo e requisito de tal decisão conforme disposto no art. 14º, n.º 3 do CPA.
Há ainda que concluir pela nulidade do encerramento da reunião, pela ausência de um elemento essencial do acto. Explicitando: por elementos essenciais do acto poderemos entender aqueles aspectos que integram o próprio conceito de acto administrativo, não sendo de considerar como essenciais elementos acessórios, ou seja, aqueles que podem ou não ser introduzidos no acto administrativo. Pelo exposto, afigura-se como elemento essencial de qualquer acto administrativo, a prossecução do interesse público, o que neste caso não se verificou, pois o presidente do CJ quando confrontado com a possibilidade de “levar com um processo disciplinar com suspensão imediata”, atendendo unicamente ao seu interesse privado (não ser suspenso preventivamente das funções que exerce), decide encerrar a reunião.
A tomada de decisões administrativas para fins de interesse privado, configura um caso de nulidade, que decorre do vício de desvio de poder, com a agravante de colidir com o imperativo constitucional do art. 266º, nº1 da CRP.
Assim sendo, o posterior abandono da reunião e das instalações por parte do Presidente do CJ, consubstancia a sua falta, nos termos do Art. 4º do RCJ, legitimando, assim, a designação de um presidente substituto.


Deliberações da reunião após interrupção:

Quanto à primeira deliberação – revogação de encerramento da reunião do CJ pelo seu Presidente – tem se por desnecessária, uma vez que o acto de encerramento da reunião não produz quaisquer efeitos, é nulo, como já concluímos.
Quanto à deliberação de instauração do processo disciplinar ao Presidente e a sua suspensão preventiva imediata, não faz sentido invocar para o caso o art. 19º do CPA, pois este artigo consagra mecanismos de inclusão de novas matérias na ordem do dia quando estejam em causa reuniões ordinárias, o que manifestamente não acontece. Assim, tal deliberação enferma de vício de forma, geradora de anulabilidade nos termos do art. 135º do CPA. No entanto, tal deliberação é eficaz até revogação por órgão administrativo competente ou até à suspensão ou anulação por um tribunal administrativo.
Já quanto à suspensão preventiva imediata, esta padece do mesmo vício da instauração do processo disciplinar, nos termos do art. 19º do CPA. Sendo na mesma válida até à sua revogação, conforme disposto no art. 136º do CPA . Mais, estando em causa um acto lesivo, deve ser precedida de audiência dos interessados conforme o disposto no art. 100º do CPA, admitindo-se a sua inexistência em caso de urgência nos termos do art. 100º, nº1, al.a), desde que devida e expressamente fundamentada. Não nos afigura como um caso de urgência a suspensão preventiva imediata do Presidente CJ, a única coisa que nos afigura como urgente é a deliberação do deferimento/indeferimento dos recursos, tendo em conta a data próxima do sorteio do calendário da Liga Cash & Carry. Concluímos por mais um vício de forma da deliberação e a sua consequente anulabilidade, nos termos dos art.s 19º e 135º do CPA.
Quanto à revogação da decisão de impedimento do vogal Dr.Fintas, entendemos que a referida decisão é nula, pelo que, como já foi demonstrado, não carece de qualquer revogação pelo Pleno do CJ, nos termos do art. 134º, nº1 do CPA.
Por último, a decisão referente ao requerimento de impedimento/suspeição contra o presidente do CJ pelo Capital do Móvel FC, era desnecessária tendo em conta que o Presidente do CJ, já estaria suspenso das funções pela terceira deliberação tomada.
Não havendo qualquer irregularidade ou ilegalidade na deliberação do deferimento/indeferimento dos recursos inscritos na ordem do dia, por tudo o que foi exposto.


Quanto à acta da reunião do CJ do dia 4 de Julho de 2008:

De acordo com o art. 27º n.1 CPA, “de cada reunião será lavrada acta…”. Como só ocorreu uma reunião, só pode existir uma acta, composta por duas folhas. A primeira folha foi assinada pelo Presidente do CJ e pelo Secretário do CJ, e posteriormente assinada pelos cinco vogais presentes no final da reunião. A segunda folha da acta foi assinada pelos mesmos cinco vogais que prosseguiram com a reunião e a encerraram validamente, pois a regra aplicável é a do art. 33º do DL 144/93, de 26 de Abril que exige apenas a “assinatura de todos os presentes”. E contra isto não se venha invocar a regra do art. 27º, nº2 do CPA que exige a assinatura do presidente e do secretário depois da aprovação por todos os membros. Isto porque norma especial anterior prevalece sobre norma geral posterior.
Por fim, a conclusão a que se chega é a de que só ocorreu uma única reunião (que se prolongou até às 0h45 de 5 de Julho) e que decorreu validamente.



Pelo exposto, intervém assim o Ministério Público.



O Procurador da República

Monteiro Pinto

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