segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Parecer de jurisconsultos - subturma 11

Consulta

Através dos excelentíssimos representantes dos autores BELAVISTA F.C. FUTEBOL SAD, OPORTO F.C. FUTEBOL SAD, DOURADO FILHO E COSTA DO PINTO, foi requerido no dia 5 de Dezembro de 2008, com carácter de urgência, o nosso parecer jurídico, no âmbito do direito administrativo sobre algumas questões relacionadas com a reunião do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, (CJ) do dia 4 de Julho de 2008, essencialmente nos aspectos relacionados com a legalidade da decisão do Presidente em encerrar a reunião, a ilegalidade da alegada continuação da reunião, e também sobre as consequências jurídicas no plano da validade e da eficácia dos actos praticados.
Este parecer não irá incidir sobre a questão de saber se devia ter sido dado, ou recusado provimento aos recursos interpostos pelo Belavista FC futebol SAD, OPorto FC futebol SAD, Dourado Filho e Costa do Pinto das decisões sancionatórias, proferidas em sede da Comissão Disciplinar Da Liga, nem mesmo sobre o conteúdo das deliberações do CJ e mérito das mesmas.






Parecer

§A
Considerações preliminares

1. O nosso parecer orienta-se pelo seguinte plano de exposição:
A) Considerações preliminares
B) Questões a resolver e direito aplicável
C) Conclusão geral
2. Foi-nos pedido averiguar a legalidade do encerramento da reunião pelo presidente do CJ e também das deliberações tomadas nessa reunião, da ilegalidade da alegada continuação da reunião pelos 5 vogais do CJ após a subsequente saída do Presidente e do Vice-Presidente do CJ, analisando também a validade e eficácia das ulteriores deliberações.
3. Damos como assentes os seguintes pressupostos de facto e de direito, porque além de alguns serem de conhecimento público, também não foram postos em causa:
i. A FPF – Federação Popular de Futebol, embora sendo uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, foi declarada posteriormente de utilidade pública desportiva, caindo no âmbito do exercício privado de funções públicas.
ii. O CJ é um dos órgãos sociais da FPF e tem funções de tipo disciplinar e jurisdicional, designadamente o julgamento dos recursos interpostos das decisões de vários órgãos da FPF, bem como das decisões da Comissão Disciplinar Da Liga; sendo órgão jurisdicional e disciplinar máximo do sistema de justiça desportiva nacional, no que respeita ao futebol, as suas decisões quando transitadas constituem caso julgado (art. 56 n.º1 do Regimento), não havendo recurso delas para qualquer órgão social da FPF ou da justiça desportiva nacional, a não ser nos casos em que a lei admita o recurso aos tribunais administrativos em matérias que não sejam do foro “estritamente” desportivo.
iii. O CJ tem um regimento próprio aprovado na sessão de 28.08.09 da Assembleia Geral extraordinária de 31.07.99, com as alterações aprovadas na sessão de 16.09.2000, e da Assembleia Geral extraordinária de 28.08.2000 e na sessão da Assembleia Geral extraordinária de 28.04.2001.
iv. O art.76º deste mesmo regimento refere que nos casos omissos dever-se-á aplicar subsidiariamente as normas e princípios constantes do Código De Procedimento Administrativo (CPA), Da Lei De Processo Dos Tribunais Administrativos E Fiscais (LEPTA) – substituída pelo Código De Processo Nos Tribunais Administrativos (CPTA), e aquelas para que estas leis remeterem, destacando-se aqui o Código de Processo Civil.
v. O Belavista FC Futebol SAD é uma sociedade anónima desportiva representada pelo presidente do conselho de administração Dourado Filho, que desempenha este cargo há já vários anos, com reconhecida notoriedade e mérito, assumindo papel primordial dentro deste clube.
vi. O OPorto FC Futebol SAD é uma sociedade anónima desportiva representada pelo presidente do conselho de administração Costa do Pinto, contando já com varias décadas à frente do clube que o levaram à ribalta no plano nacional e internacional, sendo reconhecido por todos como um excepcional dirigente.

4. Com base nestes pressupostos e à luz da legislação aplicável iremos elaborar o nosso parecer.


§B
Questões a resolver e direito aplicável


5. Com o surgimento de suspeitas da prática de actos de corrupção e coacção no futebol e após varias investigações criminais, deu inicio o caso “Apito Dourado” que entre outras entidades teve como arguidos o Belavista FC futebol SAD e o OPorto FC futebol SAD, bem como os Srs. Dourado Filho e Costa do Pinto.
6. A Comissão Disciplinar Da Liga com base nas acima referidas investigações criminais abriu processos de inquérito, que deram origem a múltiplos processos disciplinares, culminados a 9 de Maio de 2008 com várias sanções disciplinares no âmbito do chamado “Apito Final”:
i. O Belavista FC foi punido com a descida de divisão.
ii. O OPorto foi punido com a perda de 6 pontos na época 2007-2008
iii. O Sr. Dourado Filho foi suspenso das actividades directivas pelo período de 4 anos
iv. O Sr. Costa do Pinto foi suspenso das mesmas actividades por dois anos
7. A reacção dos visados foi recorrer das respectivas sanções para o órgão jurisdicional máximo da justiça desportiva da FPF, o CJ (art.37º n.º1 do regimento). Estes recursos foram interpostos no dia 15 de Maio de 2008.
8. A reunião do CJ agendada para o dia 4 de Julho de 2008 às 15 horas teve inicio apenas às 16horas face ao atraso do presidente, com a presença de todos os seus sete membros, (art.1 n.º2 do regimento).
9. As reuniões do CJ são convocadas pelo seu presidente, o que se verificou nesta e nas reuniões preparatórias da mesma, (art.3º nº1e 9º a) ambos do regimento)
10. Esta reunião não decorreu de forma normal, alegadamente de forma tumultuosa, motivo que levou o presidente a encerrá-la antecipadamente por achar não estarem verificadas as condições essenciais para o prosseguimento da mesma.
11. Durante a primeira hora de reunião tudo correu segundo a ordem de trabalhos estabelecida na convocatória, até que cerca das 17horas o presidente do CJ anunciou que se ia ausentar por alguns instantes, pedindo inclusivamente ao secretário que o acompanhasse, ficando de imediato a reunião suspensa. Cerca das 17h 15m o presidente regressa, acompanhado do secretário, e retoma a reunião.
12. É conveniente frisar que cabe ao presidente no exercício das suas competências, dirigir e orientar os trabalhos das reuniões, (art. 9º b) do regimento)
13. Após o reinício da reunião, o presidente notifica por escrito o Dr. Fintas, vogal do CJ, dos requerimentos apresentados pelo Belavista FC, pelo Sr. Dourado Filho e pelo Sr. Costa do Pinto, que suscitavam o impedimento e/ou suspeição do referido vogal (com base nos preceitos aplicáveis do CPA, vide art. 44º e SS.) porque se encontrava numa situação genérica de incompatibilidade, já que acumulava dois cargos dentro da FPF – o de vogal do CJ e o de perito inscrito na lista a que se reporta o art. 14º do Regulamento Do Estatuto Da FPF, Da Inscrição E Transferência De Jogadores -, Que O Estatuto Da FPF parece proibir que sejam cumulados (art.13º n.º2 dos Estatutos da FPF).
14. O presidente do CJ entendeu que não estavam reunidas as condições de isenção e imparcialidade deste vogal no que respeitava aos recursos que iam de seguida ser apreciados. O Dr. Fintas leu e assinou a notificação, acompanhando a sua assinatura de uma alegação da incompetência material do presidente indicando que iria recorrer para o pleno do CJ da FPF.
15. O presidente indicou então a todos os presentes que o Dr. Fintas estaria impedido de participar nas deliberações que se seguiam na ordem de trabalhos – desta e só desta reunião – sem nunca por em causa a sua continuação como membro do CJ.
16. Depois desta comunicação o Dr. Fintas reiterou a sua discordância aumentado o tom de voz, acalorando a reunião com comentários menos próprios para com o presidente, referindo também que tinha havido um requerimento escrito por parte do CAPITAL DO MÓVEL indicando o impedimento e / ou suspeição do presidente em relação aos casos do Belavista FC e que competia ao presidente em primeiro lugar, e que era por ai que se deveria ter começado, declarar-se impedido de participar na deliberação.
17. Neste clima de extrema tensão o Dr. Trocas Tintas, vogal do CJ propõe a instauração de um processo disciplinar ao presidente assim como a sua suspensão imediata de funções ditando estes pedidos directamente para a acta de reunião.
18. Considerando que a reunião se tornara tumultuosa impedindo que as decisões fossem tomadas de forma séria e esclarecida o presidente encerra a reunião às 17h 55m.
19. Quanto a esta questão cabe-nos apreciar a legalidade das decisões tomadas ou comunicadas nesta reunião pelo presidente do CJ e a cominação ou não, das deliberações tomadas por este órgão face ao tumulto gerado, que acarreta invalidade das deliberações e o consequente vicio de forma sancionado sob a forma de nulidade – art. 133 n.1 g) e 134º do CPA
20. Quanto ao encerramento da reunião refere o art. 14º n.º3 do CPA que “o presidente pode… encerrar antecipadamente as reuniões, quando circunstâncias excepcionais, o justifiquem, mediante decisão fundamentada, a incluir, na acta de reunião.”
21. Será que estariam reunidas estas “circunstâncias excepcionais”? – Entendemos que sim. O poder de encerramento não é um poder inteiramente livre, ou discricionário, mas um poder em grande medida condicionado ou vinculado, o que quer dizer que só pode ser exercido legalmente dentro das três condições estipuladas pela lei:
a. Tem de haver circunstâncias excepcionais
b. Essas circunstâncias devem ser tais que imponham, como a melhor solução, o encerramento antecipado
c. A decisão de encerrar tem de ser devidamente fundamentada
Quanto à primeira condição parece estar inteiramente preenchida pois não serão apenas circunstâncias excepcionais, um terramoto, uma inundação, um incêndio ou qualquer outra calamidade pública, mas também todas as situações fora do normal, como a desordem ou o tumulto causado, ou mesmo as ofensas verbais entre colegas do mesmo ofício.
Daí considerarmos justificado o encerramento antecipado da reunião, não pelo facto, como alguns alegam, de um vogal ter apresentado uma proposta contra o presidente do CJ mas sim pelo ambiente por aquele causado levando ao caos e à perturbação geral, impedindo o decurso normal dos trabalhos e a tomada de deliberações de forma clara, livre e esclarecida.
O presidente actuou na prossecução do interesse público, uma vez que se permitisse a continuação da reunião as consequências das deliberações aí tomadas seriam iminentemente gravosas, já que a pressão exercida seria desmedida e a imparcialidade poderia ser comprometida pelos factos ocorridos anteriormente.
22. É também alegado o carácter urgente das deliberações devido ao sorteio da liga Cash and Carry que se iria realizar no dia 7 de Julho – segunda-feira. Parece-nos de todo incoerente alegar este fundamento já que o sorteio da liga Bejeca foi realizado no dia 3 de Julho – quinta-feira -, antes mesmo desta reunião do CJ, e os efeitos das deliberações do CJ iriam afectar as duas ligas, uma vez que a única alteração em relação às equipas presentes nestas duas competições dependeria do não provimento do BELAVISTA FC, Futebol SAD, que por seu turno iria permitir a presença do CAPITAL DO MOVEL FC no principal escalão do futebol profissional. O que queremos dizer com isto, é que, para alem de haver deliberações importantes quanto ao OPorto FC FUTEBOL SAD, ao BELAVISTA FC, FUTEBOL SAD, e aos dirigentes dos mesmos a única questão relevante para o sorteio seria a de saber qual das equipas iria disputar a liga Cash and Carry – BELAVISTA OU CAPITAL DO MOVEL. Atendendo à materialidade subjacente, corolário do princípio da boa fé, presente no art. 6º a) n.2 b) do CPA, não podemos ser demasiado formalistas pois esta questão podia ser resolvida posteriormente de duas formas:
i. Adiamento do sorteio pelos dias estritamente suficientes para a realização de uma nova reunião do CJ
ii. Proceder ao sorteio no dia marcado e se necessário trocar simplesmente os referidos clubes pois tanto a liga Cash and Carry como a liga Bejeca só iriam ter inicio em meados do mês seguinte.
23. Põe-se também a questão do presidente ter encerrado a reunião sem ter marcado uma reunião subsequente mas também nada é dito expressamente na lei (CPA e Regimento Do CJ da FPF) em relação à obrigatoriedade de marcação imediata de uma nova reunião, tendo apenas de, mediante decisão fundamentada, incluir na acta da reunião os motivos pelos quais, procedeu ao encerramento antecipado.
24. Como é natural, antes de elaborar este parecer diligenciámos audições particulares com todos os presentes na reunião de 4 de Julho, e agradecemos desde já a disponibilidade que todos demonstraram em participar nas mesmas.
25. No decorrer destas audições foi-nos dito pelo presidente do CJ que apesar de achar agora que saiu de forma abrupta da reunião, no momento esta pareceu-lhe a melhor forma de prosseguir o interesse publico deixando acalmar os ânimos e garantiu-nos que iria convocar uma reunião extraordinária para meados da semana seguinte, incluindo na agenda os assuntos a deliberar, além dos tramites normais de marcação de reuniões, (art. 17º e 18º do CPT e art. 3º n.1 e 9.º a) do regimento do CJ da FPF). O presidente, iria como até aí era habitual, enviar um e-mail a todos os membros do CJ, com a convocatória da mesma.
26. No entanto os outros vogais, após o encerramento da reunião pelo presidente e saída deste acompanhado pelo vice-presidente, prosseguiram com a “reunião” apressando todas as deliberações, parecendo aqui estarem impulsionados por vários interesses que não o interesse público e a verdade desportiva.
27. Como o presidente ainda não tinha convocado nova reunião, e face ao tumulto verificado todas as deliberações anteriores seriam nulas (art. 133º n.º2 g do CPA), nem se pode falar da existência de uma segunda reunião mas sim de um prolongamento ilegal e à revelia do presidente da reunião iniciada às 16h e encerrada por volta das 17h 55m.
28. Os vogais do CJ não têm na sua esfera de competências o poder de convocar reuniões, a não ser que solicitem ao presidente por escrito a convocação de uma reunião extraordinária (art. 17 n.º2 do CPA) facto que não se verificou. Apesar de tudo, o presidente e o secretario de qualquer órgão colegial são substituídos, salvo disposição legal em contrário, respectivamente pelo vogal mais antigo e pelo vogal mais moderno, (art. 15 n.º1 do CPA). Isto podia aplicar-se caso não tivesse havido encerramento da reunião por parte do presidente ou se o prolongamento da reunião fosse valido, situação que não se verificou. E com isto queremos sublinhar que todas as “pseudo-deliberaçoes” tomadas neste prolongamento não têm qualquer validade jurídica, sendo mesmo inexistentes.
29. Como nota gostaríamos também de referir que mesmo que se entendesse que houve desvio de poder por parte do presidente, (posição que não adoptamos) a consequência seria a da mera anulabilidade e nunca a nulidade. Como sabemos a anulabilidade é a regra para os casos de invalidade do acto administrativo, sendo apenas sancionados com a nulidade as situações expressas no art. 133º do CPA ou nos casos em que a lei comine expressamente esta sanção. O art. 133. Nº2 a) refere os actos viciados de usurpação de poder (e não de desvio de poder) e nem nenhuma outra das suas alíneas ou mesmo nalguma lei especial que se aplique a este caso concreto, conseguimos vislumbrar a aplicação da nulidade a situações de desvio de poder.
30. Por fim também convém discutir o problema da validade ou não, da acta da reunião (16h/17h55m), já que a segunda acta apresentada não tem qualquer efeito jurídico.
31. Se a reunião foi só uma, a acta também só pode ser uma, pois como diz a lei “de cada reunião será lavrada acta” (art. 27 n.º1 do CPA). Portanto, segundo a lei portuguesa, a cada reunião corresponde uma acta e a cada acta corresponde uma reunião. No entanto a norma legal aplicável a este caso deverá ser o art. 33º do DL 143/93 que refere também “que das reuniões que qualquer órgão colegial das federações desportivas é sempre lavrada acta, que deve ser assinada por todos os presentes…” situação que se verificou e que pode ser comprovada pelo próprio documento n.º3 dos autos do processo. Não se põe o problema da validade da alegada segunda acta, que não referia o Doutor Troca Tintas como presidente substituto, o que poderia levar à invalidade da mesma, pois como já frisámos anteriormente esta segunda acta é inexistente e daí este problema não se levantar.






§C
CONCLUSÃO GERAL

32. Da nossa parte tentamos corresponder de forma clara ao que nos foi pedido na consulta, apontando a base jurídica em que deverá apoiar-se a tentativa de encontrar uma saída para este diferendo, mas não nos compete de todo resolver a crise interna que assombra o CJ a qual deve ser resolvida pela direcção da FPF.
33. A credibilidade e confiança dos portugueses no CJ, afigura-se, a nosso entender como um imbróglio de difícil solução, querendo dizer com isto que nas circunstâncias actuais internas e externas não tem capacidade e imparcialidade para continuar a exercer as suas funções de tipo jurisdicional, patente no encerramento antecipado de uma reunião de carácter e importância fulcrais no âmbito da justiça desportiva, por parte do seu ilustre presidente pois ele entendeu que caso prolongasse essa reunião e após a barafunda geral as deliberações tomadas nunca seriam de todo imparciais, podendo prejudicar o interesse publico e ainda iriam desacreditar mais o CJ aos olhos dos portugueses.
34. Perante estes factos a decisão do presidente foi um “mal menor” quando comparado com a conjectura interna actual do CJ pois mais vale interromper aquilo que já começou mal, tentando numa próxima oportunidade, deixando acalmar os ânimos, que corra melhor, do que prosseguir para deliberações descambadas e vindictas privadas, que certamente não iriam trazer nada de bom aos interessados neste caso e em ultimo lugar ao futebol português em geral…

É este, salvo melhor opinião, o parecer de
NUNO GOMES CASTIGO
Professor Catedrático Da Faculdade De Direito Da Universidade De Lisboa
VITAL VERDADEIRA
Professora Catedrática Da Faculdade De Direito Da Universidade De Lisboa
LISBOA, 15 DE DEZEMBRO DE 2008

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