quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Petição Inicial - Subturma 10

Ex.mo Senhor Doutor Juiz de Direito
Tribunal Administrativo de Círculo e Tributário do Porto


Cartão Vermelho, casado, jurista e Presidente do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, residente na Rua das Flores, n.º 12, 3.º direito, concelho do Porto, instaura a presente

ACÇÃO ADMINITRATIVA ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO DE ACTOS ADMINISRTATIVOS, contra:

Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, sendo esta uma associação privada de interesse público desportivo, com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º 58, concelho de Lisboa, cujo vice-presidente é Livre Directo;

Liga Cash & Carry de Futebol, com sede na Rua da Constituição, n.º 2555, concelho do Porto;

Capital do Móvel Futebol Clube, com sede na Rua da Escrivaninha, n.º 9, concelho de Paços de Ferreira e

Vitória de Lisboa Futebol Clube, com sede na Rua do Milhafre, n.º 3, rés-do-chão, concelho de Lisboa,

Nos termos e com os seguintes fundamentos:
OS FACTOS

1.º
Aos quatro dias do mês de Julho, pelas 16 horas, reuniu, na sede da Federação Popular de Futebol (de agora em diante FPF), o Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol (CJ) com a presença dos Senhores conselheiros Cartão Vermelho (presidente); Cartão Amarelo (vice presidente), Repete-Repete; Troca Tintas; Eduardo Pêra Santa; Fífias de Fintas e João Coroado Sal Gema (vogais) – cfr. Acta da reunião do CJ (doc. 1).

2.º
Sem qualquer problema, deliberou-se quanto aos cinco primeiro pontos constantes da ordem do dia ou nela legalmente inscritos.

3.º
Posto isto, o Sr. Presidente do CJ notificou o Sr. Dr. Fintas da sua decisão de o considerar impedido nos processos de recurso n.ºs 36, 37-38, 39-40, 41-42-43 e 44- 45, todos relativos à época de 2007/2008.

4.º
Fê-lo decidindo quanto aos requerimentos de impedimento visando o Dr. Fintas, entrados na FPF, dirigidos ao Presidente do CJ, apresentados pelo Belavista Futebol Clube, SAD (BFC), pelo Sr. Costa do Pinto e pelo Futebol Clube Oporto (FCO).


5.º
Três desses requerimentos foram apresentados pelo BFC, na sua qualidade de recorrente, nos processo de recurso, a saber:
a) Recurso n.º 36/CJ – 07/08 (com o carimbo de entrada na secretaria da FPF: 292/08–09/FPF, 03-07-2008 13:58:30)
b) Recursos n.ºs 37-38/CJ – 07/08 (carimbo: 293/08–09/FPF, 03-07-2008 14:12:01)
c) Recursos n.ºs 39-40/CJ – 07/08 (carimbo: 295/08–09/FPF, 03-07-2008 14:14:12)

6.º
Dois outros desses recursos foram apresentados pelo Sr. Costa do Pinto, na qualidade de recorrente, nos processos:
a) Recursos n.ºs 41-42-43/CJ–07/08 (com a hora de entrada na secretaria da FPF de 10:06, do dia 4 de Julho)
b) Recursos n.ºs 44-45/CJ–07/08 (com a entrada considerada às 11h09 de dia 4 de Julho)

7.º
O último desses requerimentos foi apresentado pelo FCO, na qualidade de interveniente nos processos de recurso n.ºs 41-41-43, com carimbo de entrada 344/08-09/FPF, 04-07-2008 10:09:55)



8.º
Quanto a esses requerimentos havia sido ouvido o Dr. Fintas em relação àqueles apresentados pelo BFC.

9.º
Quanto aos requerimentos sobre os quais foi ouvido, apresentou o visado as suas considerações.

10.º
Sobre os demais não foi o Dr. Fintas ouvido.

11.º
Após a apresentação da sua decisão, o Sr. Presidente explicou os motivos que a fundamentaram.

12.º
O Sr. Presidente explicou que não ouvira o Dr. Fintas porque já antes o fizera em relação aos três primeiros requerimentos, cuja matéria era idêntica.

13.º
O Sr. Presidente pediu então ao visado que tomasse conhecimento da sua decisão por escrito, assinando-a.

14.º
Assim, inscreveu na decisão o Dr. Fintas o seguinte texto: “Tomei conhecimento. Alego incompetência material, remetendo a questão para o pleno do CJ da FPF. 4/7/2008”

15.º
E o Dr. Fintas assinou o documento.

16.º
Então, houve troca de palavras entre os conselheiros, insultos, conversas cruzadas, agitação e perturbação do ambiente da reunião.

17.º
Nesse ambiente de tensão, e por entre conversas cruzadas, dirigiu-se o Dr. Troca Tintas ao Dr. Presidente, dizendo: “Presidente: ou revogas a decisão ou levas com um processo disciplinar com suspensão imediata!”.

18.º
Toda esta agitação levou a que o Sr. Presidente decidisse que só daria a palavra a quem a usasse ditando directamente para a acta.

19.º
E, no culminar de toda essa altercação, o Dr. Troca Tintas ditou para a acta uma proposta de processo disciplinar contra o presidente do CJ e a sua suspensão imediata do exercício das suas funções.

20.º
Perante este cenário o Dr. Presidente tomou a palavra para reafirmar a legalidade e a fundamentação da sua decisão.

21.º
Além disso, constatou, ditando para a acta, que o Dr. Fintas não acatou essa decisão, que o visava.

22.º
E continuou declarando que toda aquela situação era não só contrária a princípios éticos, como também aos mais elementares princípios da administração da Justiça.

23.º
Mais declarou que não haviam condições para o prosseguimento da reunião.

24.º
E, pelo exposto, invocou os seus poderes de Presidente do CJ para dar como encerrada a reunião pelas 17h55, ficando sem efeito a discussão e a votação dos demais pontos da ordem do dia.

25.º
Posto isto, foi elaborada a acta correspondente ao então sucedido.

26.º
A acta foi redigida e assinada.

27.º
Já na ausência do Presidente, após alguns minutos, o Vice-presidente Livre Directo acabou por abandonar também ele a reunião – cfr. Acta da 2.ª parte da reunião do CJ (doc. 2).

28.º
Após a saída deste, os vogais em conjunto decidiram continuar a reunião ora encerrada.

29.º
Invocaram para tal a nulidade deste encerramento.

30.º
Não comunicaram dessa sua intenção aos ausentes.

31.º
Nessa reunião designaram o vogal Dr. Troca-Tintas como Presidente substituto.

32.º
Decidiram da revogação da decisão de impedimento do vogal Dr. Fintas.

33.º
Decidiram da instauração de um processo disciplinar ao Presidente Dr. Cartão Vermelho.

34.º
Declararam a suspensão de funções com efeito imediato do Sr. Presidente.

35.º
Decidiram sobre os recursos que haviam ficado pendentes da primeira reunião, a saber:

ü Procº. Nº. 36/CJ-07/08 - Em que são Recorrente Belavista Futebol Clube
e Recorridos Comissão Disciplinar da Liga Cash and Carry.
Negado provimento.
ü Procº. Nº. 37-38/CJ-07/08 - Em que são Recorrentes Belavista Futebol
Clube e Recorridos Comissão Disciplinar da Liga Cash and Carry.
Negado provimento.
ü Procº. Nº. 41-43/CJ-07/08 - Em que são Recorrentes Jorge Costa do Pinto e Petúnio Amor e Recorridos Comissão Disciplinar da Liga Cash and Carry.
Negado provimento.
ü Procº. Nº. 44-45/CJ-07/08 - Em que são Recorrentes Jorge Costa do Pinto e Duarte Barros Augusto e Recorrida Comissão
Disciplinar da Liga Cash and Carry.
Negado provimento.
ü Procº. Nº. 01/CJ- Disciplinar-07/08 - Ordenada a instauração de processo
disciplinar contra Cartão Vermelho.

36.º
Elaboraram e assinaram por fim a acta correspectiva e deram por encerrada a reunião.




O DIREITO

37.º
A Federação Popular de Futebol é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos.

38.º
A FPF, sendo embora uma entidade privada, foi declarada de utilidade pública em 15 de Junho de 1978 (D.R., II, de 20-6-78), e foi declarada de utilidade pública desportiva em 1 de Setembro de 1995 (D.R., II, de 14-9-95).

39.º
Daí decorre a sua competência para exercício de poderes de natureza pública (artigo 7º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), constante no decreto-lei n.º 144/93 de 26 de Abril).

38.º
Nestas competências cabem poderes regulamentares e disciplinares, mesmo que impliquem o exercício de prerrogativas de autoridade (8º RJFD).

39.º
Das decisões dos órgãos das federações no exercício de poderes públicos cabe recurso para o CPTA. (8º RJFD).

40.º
O regime jurídico das federações desportivas deve ser interpretado à luz da lei de bases da actividade física e do desporto (lei n.º 5/2007).

41.º
Esta, no seu artigo 16.º, nº1, reitera a sujeição às normas do contencioso administrativo.

42.º
O n.º 2 desse artigo vem, todavia, estabelecer uma condição de admissibilidade de recurso contencioso que tem causado muitas dúvidas interpretativas.

43.º
Trata-se de negar o recurso contencioso a questões estritamente desportivas.

44.º
Na vigência da antiga lei de bases do desporto (lei n.º 30/2004) subsistia ainda uma corrente doutrinária e jurisprudencial que defendia interpretação ampla desta condição.

45.º
Destaca-se Almeida Lopes que considerava que «As leis de bases do desporto inconstitucionalmente admitiram o recurso aos tribunais administrativos em certos litígios desportivos» in A Justiça Desportiva, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, IV, 2007, pág. 175.

46.º
Defendia o autor esta inconstitucionalidade com base num argumento histórico segundo o qual o legislador constitucional ao deixar cair a expressão “Salvaguardando sempre o direito de recurso para os tribunais” do artigo 202 n.º4 da CRP estaria a vedar esta hipótese.

47.º
Noutro prisma, considerava o mesmo autor que todas as questões de carácter disciplinar eram decisões estritamente desportivas.

48.º
Quanto à inconstitucionalidade reiteramos a posição de que o facto de não constar aquela expressão do artigo 202.º não deve ser entendido como uma proibição.

49.º
Antes se prevê a possibilidade de o legislador salvaguardar esse direito se assim o desejar.

50.º
Por outro lado não podemos hoje, e face à nova lei de bases da actividade física e do desporto, aceitar tais opiniões.

51.º
Da leitura do artigo 3.º, n.º 2, da lei de bases retiramos que o conceito de questão estritamente desportiva se encontra através de duas etapas: Em primeiro lugar verifica-se se a norma sobre a qual surge a controvérsia tem “natureza técnica ou de carácter disciplinar” e, num segundo momento, dentro destas normas, devemo-nos reportar “às leis do jogo” ou aos “regulamentos e regras de organização das respectivas provas”.

52.º
Impõe-se assim uma interpretação mais restrita deste conceito tal como entendido no acórdão STA de 10/Set/2008: A natureza das normas “disciplinar” ou “técnica” é um dos índices a ter em conta, que deve depois ser complementado com o conteúdo de tais normas: “leis do jogo”, ou “organização das respectivas competições”

53.º
O objecto deste processo é uma questão disciplinar.

54.º
Mas os outros dois últimos requisitos não estão preenchidos e, dessa forma, não deve ser considerada a questão ora em apreço como estritamente desportiva.

55.º
Quanto ao requisito de «aplicação de leis do jogo» deve ser interpretada como dizendo respeito “às regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões dos desportistas nas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas”. - cfr. JOSÉ MANUEL MEIRIM, A Federação Desportiva como Sujeito Público do Sistema Desportivo, p. 673 a 678.

56.º
Concretizando, no dizer de ANTÓNIO PEIXOTO MADUREIRA e LUÍS CÉSAR TEIXEIRA, Futebol, Guia Jurídico, fls. 1602, são questões emergentes das leis do jogo, “aquelas questões que tenham surgido durante a prática de uma competição e que, portanto, estejam relacionadas com o seu desenvolvimento, quer no seu aspecto técnico quer no aspecto disciplinar. Questões de facto, serão, por exemplo, aquelas que têm a ver com o apuramento de que se determinado jogador rasteirou ou não outro, se determinada bola ultrapassou ou não a linha da baliza, se determinado jogador agrediu ou não outro, etc. Questões em relação às quais o árbitro é soberano (…).Questões de direito são as que contendem com a aplicação das leis do jogo aos factos apurados. São questões relacionadas com os chamados erros de arbitragem …”.

57.º
Daqui concluímos que a decisão dos cinco vogais do CJ em continuarem uma reunião encerrada e deliberarem sobre os recursos inscritos na tabela não se encaixa na definição de leis de jogo.

58.º
E também não caberá nas regras de organização das respectivas competições, pois nada diz respeito à organização funcional dos respectivos campeonatos nacionais, nem sequer às matérias de auto-organização interna.

59.º
Estará aqui em causa, como adiante se verá, a legalidade por violação de normas específicas de procedimento administrativo.

60.º
Por outro lado, o n. 4 do artigo 18.º da actual lei de bases vem subtrair do conceito de questão estritamente desportiva matérias correspondentes à ética desportiva, como sejam a violência, dopagem, corrupção, etc.

61.º
Tal havia sido já a linha argumentativa do acórdão do STA de 13-11-90, BMJ, 401/278 a 295.

62.º
Aí se estabelece como inquestionável que a disciplina desportiva é um instrumento necessário da organização e gestão do desporto e a estas directamente ligado e por isso, por não dizer respeito às regas próprias do jogo, mas a violações da ética desportiva, entendendo caber recurso para os tribunais administrativos.

63.º
Já Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua anotação ao artigo 202.º CRP, estabelecem como limite à auto-justiça das Federações as questões que ponham em causa “bens indisponíveis, ou direitos liberdades e garantias, não podendo precludir ou prejudicar o recurso à via jurisdicional”.

64.º
Por tudo o exposto consideramos ter ficado patente o manifesto carácter não estritamente desportivo da nossa pretensão.
Posto isto,

65.º
O Conselho de Justiça é um órgão social da FPF [artigo 12.º, n.º2, al. f)].

66.º
O funcionamento normal do Conselho de Justiça é regulado, em primeira linha, pelo “Regimento do Conselho de Justiça da FPF”, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 28 de Agosto de 1999, com alterações introduzidas em 2000 e 2001.

67.º
Nos casos omissos manda o art. 76.º desse regimento aplicar, subsidiariamente, o Código de Procedimento Administrativo (CPA) e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (LEPTA), devendo entender-se hoje, no lugar desta lei, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

68.º
Ora, de acordo com o art. 45.º, n.º 2, CPA: “Até ser proferida decisão definitiva ou praticado o acto, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento, especificando as circunstâncias de facto que constituam a sua causa”.

69.º
Assim fizeram os requerentes BFC, Sr. Costa do Pinto e FCO, como descrito acima.

70.º
E todos o fizeram fundamentando os seus requerimentos de declaração de impedimento do Dr. Fintas nas mesmas razões de facto e de direito.

71.º
Invocaram os requerentes que, de acordo com o princípio da imparcialidade (explanado nos arts. 266.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa e 6.º CPA), exige-se que haja a total garantia da independência e imparcialidade dos membros do CJ face às partes, quando tomam uma decisão.

72.º
Continuaram os requerentes arguindo que, então, esses membros do CJ devem, quando deliberam, encontrar-se numa situação em que não possa sobre eles recair qualquer conflito de interesses.

73.º
Acrescentaram que nessa situação não se encontrava o Dr. Fintas, por constar da lista de peritos para a arbitragem de litígios entre clubes ou sociedades anónimas desportivas.

74.º
Pois a nomeação para o exercício dessas funções pode ser feita pelas partes em diferendo.

75.º
E o exercício dessas funções é remunerado de acordo com o que a FPF quanto a essa compensação decidir, por força dos arts. 14.º e 15.º do Estatuto da Inscrição e Transferência de Jogadores da FPF.

76.º
Pelo que poderá gerar-se (pelo menos) uma aparência de favorecimento de qualquer clube ou SAD, em função de uma passada ou futura escolha do visado para dirimição de um conflito em que seja parte também uma das agora em causa.

77.º
Posto isto, agiu o Dr. Presidente segundo o art. 45.º, n.º3, CPA, que dita: “Compete ao […] presidente do órgão colegial conhecer da existência do impedimento, especificando as circunstâncias de facto que constituam a sua causa.”

78.º
E decidiu o Sr. Presidente dar provimento aos requerimentos deduzidos e declarar o Dr. Fintas impedido.

79.º
Fê-lo, como invocado, nos termos dos arts. 45.º e 47.º, aplicando o art.º 44.º, [nomeadamente, a sua alínea a)], todos do CPA, por julgar procedentes os argumentos dos requerentes, quanto ao interesse que poderia perturbar o discernimento e a deliberação do Dr. Fintas, como acima exposto.

80.º
E, se não ouviu o visado antes da sua decisão, em relação a alguns daqueles requerimentos, foi porque já o tinha ouvido antes em relação a outros, fundados nas mesmas razões dos posteriores.

81.º
Aliás, é o art. 45.º, n.º 3, CPA que dispensa a audição do requerido quando o presidente do órgão o ache desnecessário.

82.º
Sublinhe-se que o presidente do CJ conheceu do impedimento suscitado quanto ao conselheiro, no âmbito de determinada deliberação.

83.º
Não está aqui em causa o conhecimento de qualquer incompatibilidade com aquele cargo também exercido pelo Dr. Fintas.

84.º
Nunca se quis conhecer a perda de mandato do outro cargo do Dr. Fintas, para o qual, sim, o presidente do CJ não tinha competência.

85.º
O Dr. Cartão Vermelho conheceu de um impedimento concreto, nos termos do art. 44.º, para o qual tem competência, nos termos do art. 45.º, n.º3 CPA.

86.º
Logo, nunca procederia a invalidade do acto invocada pelo Dr. Fintas, fundada em incompetência material.

87.º
Se assim não se entendesse, poderia o visado reclamar do acto (art. 161.º, n.º 1 CPA), ou impugná-lo junto do competente tribunal administrativo [art. 2.º, n.º 2, proémio e alínea d) e 46.º, n.º 2, a) CPTA].

88.º
Nunca poderia, porém, o Dr. Fintas remeter a decisão para o Pleno do CJ, pois tal só seria possível no âmbito de um recurso hierárquico impróprio, que não existe para este caso.

89.º
É que o recurso hierárquico impróprio nesses termos está previsto no art. 176.º, n.º 2, CPA, que exige previsão expressa pela lei para os casos em que é aplicável.

90.º
E não existe, no caso em apreço, qualquer disposição que expressamente preveja a possibilidade do recurso dos actos do Presidente do CJ para o seu Pleno.

91.º
Pelo que o recurso sempre haveria de ser rejeitado, tendo em conta a incompetência do órgão para o qual foi interposto: art. 173.º, a), ex vi art. 176.º, n.º 3, CPA.

92.º
De qualquer forma, até decisão que conhecesse de uma eventual ilegalidade (que, de resto, não se entende existir), sempre continuaria o acto a produzir os seus efeitos.

93.º
Isto porque, sendo possível, como era, o recurso contencioso do acto que decidiu o Sr. Conselheiro impedido, os seus efeitos não seriam suspensos e continuariam a produzir-se (veja-se o art. 163.º, n.º 2, CPA, aplicável caso tivesse havido reclamação, ou, mesmo para a já demonstrada impossível hipótese de recurso hierárquico impróprio, o art. 170.º, n.º 3, CPA; o mesmo resultaria de uma interpretação a contrario do artigo 50.º n.º2 CPTA caso houvesse efectivo litígio nos tribunais).

94.º
E contra isto não se diga que o acto não produziu efeitos porque nulo.

95.º
Pois, caso se entendesse o acto como inválido, o que não se subscreve, resultaria esse vício na sua anulabilidade, nos termos do art. 135.º CPA.

96.º
É que, como já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (veja-se o acórdão de 6/Dez/1990), “A regra básica do direito administrativo é a de que a ilegalidade dos actos administrativos importa a mera anulabilidade dos mesmos.”

97.º
E o acto meramente anulável, por oposição ao acto nulo (Cfr. art. 134.º CPA), produz efeitos, pelo menos até à declaração daquela anulabilidade.

98.º
Aliás, caso essa anulabilidade não seja invocada nos prazos da lei (arts. 58.º, n.º 2 CPTA e 136.º, n.º1, e 141.º CPA), prescreve o direito de arguição dessa ilegalidade que se diz existir e não mais o acto pode ser sindicável com fundamento na sua anulabilidade.

99.º
Não se argua que o acto não produziria efeitos por ser um acto nulo, nomeadamente por ser enquadrável nos casos previstos no art. 133.º, n.º 2, al. b) CPA.

100.º
Pois neste preceito entende unanimemente a doutrina, assim como os nossos tribunais, que cabem aqueles casos de incompetência por falta de atribuição (isto é, incompetência absoluta) – confira-se o ac. do STJ de 16/Dez/1997 (proc. n.º 35 416); leia-se o Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, págs. 202, 211/213 e 312 sobre o vício de incompetência.

101.º
Ou seja, nas palavras do Prof. Freitas do Amaral (Direito Administrativo, vol III, págs. 298/299), é aplicável aquele normativo “quando um órgão pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence”.

102.º
Quando muito, o que não se acolhe, a ilegalidade invocada pelo Dr. Fintas seria, pelo exposto, geradora da anulabilidade da decisão de impedimento contra si tomada pelo Presidente do CJ, por se concretizar na invasão da esfera de poderes de outro órgão da mesma pessoa colectiva (Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, vol. I, pág. 557)

103.º
O que, como também se demonstrou, implicaria, ainda assim, a produção de efeitos pelo acto em causa.

104.º
Muito menos se diga, por outro lado, que a decisão do Presidente do CJ seria nula por lhe ser aplicável a al. a) daquele n.º 2 do art. 133.º CPA.

105.º
É que, nas palavras do Prof. Freitas do Amaral, por toda a doutrina que segue este entendimento neste normativo está previsto o “vício que consiste na prática por um órgão da Administração de acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial.” (Direito Administrativo, vol. III, pág. 295).

106.º
De resto, este é o entendimento unânime da doutrina nacional (Cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 495; Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, pág. 380; Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, vol. I, pág. 555).

107.º
E não há a mínima dúvida de que o CJ não exerce outra função que não a administrativa.

108.º
Nomeadamente, a função jurisdicional, que é competência exclusiva dos Tribunais (art. 202.º CRP).

109.º
Da mesma forma não será possível argumentar-se a nulidade da decisão do Dr. Presidente, invocando o art. 133.º, n.º 1.

110.º
É que sancionar o acto em causa com a nulidade, pelo fundamento alegado (e não aceite) pelo visado, seria, desde logo, como se demonstrou, contrário ao art. 133.º, n.º 2, al. b) CPA.

111.º
Por outro lado, como já decidiu o STJ no acórdão de 17/Out/1991, “a nulidade só se verifica nos casos expressamente determinados na lei ou resultante dos princípios gerais”.
112.ºIsto porque, julgou o acórdão citado, “o alargamento do regime da nulidade para além das situações perfeitamente delimitadas não é de admitir por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica”.

113.º
Posto isto, o Presidente do Conselho de Justiça tomou uma decisão de impedimento em relação ao vogal Dr. Fintas para a qual tinha competência nos termos do art. 45.º, n.º3 CPA.

114.º
Decisão essa tomada dentro dos trâmites legais, demonstrando o impedimento do vogal em causa por força da aplicação do art. 44.º, al. a) CPA.

115.º
Decisão essa devidamente fundamentada conforme é exigido por aquele art. 45.º, n.º3, CPA.
116.ºContra essa decisão argui o visado a incompetência material do Presidente, que se demonstrou não ser verdadeira.

117.º
Mais se evidenciou que, ainda que assim fosse, sempre o acto, porque meramente anulável, produziria efeitos que vinculavam o Dr. Fintas.

118.º
No entanto o vogal impedido nunca deixou de demonstrar intenções de não acatar a decisão a si dirigida.

119.º
Ou seja, nunca manifestou intenção de deixar de intervir nos actos para os quais foi considerado impedido.

120.º
Isto quando a sua intervenção inquinaria qualquer deliberação para a qual ele tinha sido declarado impedido nos termos do art. 51.º, n.º 1, CPA.

121.º
Para além disto, seguiu-se todo um encadeamento de factos que levaram o Dr. Presidente a usar dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 13.º, n.º 4, CPA e a declarar encerrada a reunião.

122.º
Desde logo, houve uma série de alterações de comportamento, trocas de insultos e momentos de tensão capazes de gerar nervosismo entre os membros do CJ e, assim, pôr em causa a racionalidade e discernimento que lhes é exigível para tomarem qualquer deliberação.

123.º
E no seio de toda esta altercação, foi proposto, pelo Dr. Troca Tintas, um processo disciplinar contra o Dr. Cartão Vermelho e a sua imediata suspensão.

124.º
É certo que o CJ seria para tal competente nos termos do art. 11.º, n.º 1, al. b) do seu regimento.

125.º
Mas não parece que o Dr. Troca Tintas pretendesse com tal proposta apreciar a qualidade, o mérito e a oportunidade dos actos praticados pelo Dr. Cartão Vermelho no Exercício das suas Funções.

126.º
Já antes o vogal em causa se tinha dirigido ao presidente, no meio da confusão que se instalou, constringindo, com o processo disciplinar e a sua suspensão imediata, o Dr. Cartão Vermelho a revogar a sua decisão.

127.º
Parece que o Dr. Troca Tintas actuou sem visar a prossecução da eficiência, eficácia e qualidade da actuação do órgão, razões que subjazem ao contencioso disciplinar previsto no art. 11.º do Regimento do CJ.

128.º
Antes o vogal actuou em reacção ao que se passou anteriormente, procurando condicionar a actuação do Presidente naquela reunião.

128.º
Ou seja, este fim pretendido com a invocação da norma em causa não é de forma alguma aquele pelo qual ela foi prevista.

129.º
Por outras palavras, o dispositivo previsto nesta disposição foi feito actuar não por se ter em vista aqueles interesses públicos de correcção da actuação do órgão, eficiência e qualidade.

130.º
Antes se seguiu um interesse privado, que pretendia condicionar a actuação de um dos membros do CJ na deliberação em causa.

131.º
Tal situação mais não consubstancia do que uma ilegalidade do acto por desvio de poder.

132.º
E o desvio de poder é vício capaz de gerar a nulidade do acto.

133.º
Assim sustenta a maioria da doutrina, que entende o fim legal do acto (interesse público a prosseguir) como elemento essencial do acto administrativo.

134.º
Ora, se falta um dos elementos essenciais ao acto, esse acto é nulo por força do art. 133.º, n.º 1, CPA.

135.º
E, dessa forma, o acto não é susceptível de produzir quaisquer efeitos, independentemente da declaração da sua nulidade – art. 134.º, n.º 1. CPA.

136.º
Perante tudo isto, entendeu o Presidente que estavam verificadas as circunstâncias excepcionais exigidas pelo art. 14.º, n.º 3, CPA, para que possa declarar encerrada a reunião.

137.º
Desde logo, porque circunstâncias excepcionais na acepção desse preceito não hão-de ser só aquelas capazes de levar à nulidade do acto, nomeadamente, as enumeradas nas alíneas do n.º 2 do art. 133.º CPA.

138.º
Isto é, não será de exigir, designadamente, que se verifique uma deliberação tumultuosa, no sentido mais comum da palavra.

139.º
O art. 14.º, n.º3, CPA, basta-se com situações que, ainda que não ponham em causa a segurança dos intervenientes na reunião, sejam capazes de afectar os seus livres e esclarecidos discernimento e raciocínio.

140.º
Assim aconteceu.

141.º
Demonstrou-se como se pretendeu influenciar e comprometer o comportamento do conselheiro presidente, como também dos demais.

142.º
Também se demonstrou o clima de tensão e de mútuo desrespeito sentido na reunião.

143.º
É fácil de compreender o estado de nervosismo e de inquietação que reinava entre os presentes.

144.º
E é inegável que todos esses factores influenciam o livre raciocínio dos conselheiros.

145.º
Da mesma forma que é inegável que esta situação não permite um discernimento claro, esclarecido, imparcial por parte daqueles, pois ser-lhes-á impossível abstrair do que imediatamente antes se passou.

146.º
Acresce a tudo isto que estava presente na reunião e que sempre mostrou intenções de participar na deliberação um membro do órgão considerado impedido.

147.º
Assim decidiu o Dr. Cartão Vermelho em relação ao Dr. Fintas.

148.º
Decisão essa que se demonstrou válida e eficaz.

149.º
Pelo que todos os actos resultantes de deliberação em que o referido vogal participasse seriam inválidos e anuláveis, por força do art. 51.º CPA.

150.º
E foi exactamente por isto que ao Dr. Cartão Vermelho nem se concebia possível apenas suspender a reunião, pois quando esta fosse reatada, sempre o vogal em causa faria as mesmas tenções de não acatar a decisão e de participar na deliberação dos restantes pontos da ordem do dia.

151.º
Posto isto, estavam verificadas as circunstâncias excepcionais exigidas para o encerramento antecipado da reunião.

152.º
E, como legalmente exigido, o presidente fundamentou as razões da sua decisão, que constam da acta lavrada e assinada da reunião.

153.º
Por isso decidiu o Dr. Cartão Vermelho, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 14.º, n.º3, CPA, e dentro de todos os condicionalismos exigidos pela lei, declarar encerrada a reunião pelas 17h55.

154.º
Esta decisão é, pelo exposto, legal, competente e legítima, necessária, adequada e proporcional, pelo que válida e plenamente eficaz.

155.º
Tanto mais que, conforme referido, a reunião foi encerrada com base nas circunstâncias exigidas pela lei e com vista aos fins que aquele normativo prossegue.

156.º
Pelo que não procederá qualquer argumento que invoque outra razão para esta decisão, pois se demonstrou a racionalidade que para ela a lei exige.

157.º
Desta forma ficaram sem efeito a discussão e a votação dos demais pontos da ordem do dia da reunião que não foram deliberados.
Por outro lado,
158.º
Na ausência de lei especial aplicam-se as regras do CPA que concernem à distinção entre reuniões ordinárias e extraordinárias.

159.º
As reuniões extraordinárias têm lugar mediante convocação do presidente nos termos do artigo 17.º CPA.

160.º
O n.º 2 do mesmo artigo estabelece a obrigação do presidente convocar reunião extraordinária quando solicitada por escrito por pelo menos um terço dos vogais.

161.º
O que os vogais não fizeram.

162.º
Se queriam marcar nova reunião extraordinária teria de ter havido convocatória para um dos quinze dias seguintes, e 48 horas teriam de mediar entre a notificação e a reunião à luz do artigo 17/3 CPA.

163.º
Nada disto aconteceu.

164.º
Não ficou portanto estabelecido o objecto da reunião

165.º
Tão pouco este pôde ser conhecido por todos os membros do órgão colegial nos termos do artigo 17, n.º 4 do CPA.

166.º
Como consequência a reunião é um acto juridicamente inexistente tal como a define o Professor Oliveira Ascenção, a pp. 77 do seu livro O Direito, Introdução e Teoria Geral: “ a inexistência jurídica é uma situação em que não há sequer uma base que possa afirmar que existiu um acto”; ou, no dito do Prof. Freitas do Amaral, no seu Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp. 415: “é um quid que se tenta fazer passar por acto administrativo mas a que faltam determinados elementos estruturais constitutivos que permitam identificar um tipo legal de acto administrativo”.

167.º
Destarte, são impassíveis de ratificação, reforma e conversão.

168.º
Estes actos, mesmo que não se pugne pela supra defendida inexistência, sempre padeceriam de falta de um elemento essencial.

169.º
Toda a doutrina é unânime, desde Marcello Caetano, em admitir que o autor é elemento essencial do acto administrativo.

170.º
Não havendo autor, o acto é nulo ex vi 133.º, n.º 1 do CPA.

171.º
Mesmo que assim não se entenda, o acto sempre padeceria de vício de forma.

172.º
Vício este que gera a anulabilidade de todas as deliberações que negam provimento aos recursos.

173.º
Um acto, para efeitos do CPA, sentido que se esclarece lendo o âmbito de aplicação do código no seu artigo 2º, é um acto jurídico-administrativo.

174.º
Não há portanto um acto nos termos do artigo 133/1 do CPA.

175.º
Mais se acrescenta que não havendo ordem do dia os assuntos tratados não eram do conhecimento de todos os membros do órgão colegial.

176.º
Pelo que não podiam ser debatidos sob pena de anulabilidade, ex vi artigo 135.º CPA.

177.º
Estes vícios só poderiam ser sanados, nos termos do artigo 21.º CPA, se todos os membros do órgão tivessem comparecido e não suscitassem oposição.

178.º
Ora, tal não aconteceu.

179.º
Pelo que tais vícios nunca poderiam ter sido sanados.

180.º
Vício mais grave se imputa à deliberação que ordena a instauração de um processo disciplinar ao Dr. Cartão Vermelho.

181.º
O artigo 17.º da CRP dispõe sobre a possibilidade da existência de direitos análogos a direitos liberdades e garantias.

182.º
Segundo Vieira de Andrade, “O Direito ao contraditório é um direito subjectivo fundamental”, ao qual o mesmo autor lhe chama também “um Direito Garantia”, cfr. páginas 196 e ss. do Manual de Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Almedina 2004.

183.º
Refere ainda que “será direito análogo a direito, liberdade e garantia, o direito de defesa em processo disciplinar” (artigo 269/3 CRP), na página 198 do supra referido manual.

184.º
Isto, porque está apenas presente de forma expressa nos artigos 32,º, nºs 5 e 7 da CRP, para o processo criminal.

185.º
Pugnamos pela defesa de identidade de razão da necessidade de contraditório em processo administrativo com a necessidade em processo penal.

186.º
O direito ao contraditório enquanto vector fundamental de todo o processo judicial é portanto um direito análogo a um direito liberdade e garantia.

187.º
Citando ainda o mesmo autor, no seu manual de Direito Constitucional (Direitos fundamentais), Livraria Petrony, 1982, a pp. 152 e ss., “tem de reconhecer-se a todos aqueles a quem é aplicada uma sanção disciplinar o direito de defesa”.

188.º
Não se tendo realizado a audiência do visado num processo que tem natureza disciplinar e condenatória, viola-se o núcleo essencial do Direito Fundamental ao contraditório.

189.º
Assim, ex vi 133.º, nº 2, alínea d), o acto que ordena a instauração de processo disciplinar contra o Dr. Cartão Vermelho é nulo.

190.º
Sendo nulo, carece de qualquer efeito jurídico.

191.º
Também não está dependente de prazo a sua impugnação, ex vi artigo 58.º, n.º 1 do CPTA.

192.º
Os vogais deliberaram também sobre os recursos que haviam ficado pendentes pelo encerramento da primeira reunião.

193.º
Abstraindo-nos das considerações supra expostas sobre a admissibilidade da reunião, de um ponto de vista meramente formal, poder-se-á considerar estas deliberações válidas à luz do Estatuto da FPF e do CPA.

194.º
O Estatuto da FPF permite no artigo 46.º, n.º 3 a designação em reunião de qualquer vogal para assumir a presidência do CJ em caso de falta ou impedimento deste.

195.º
Há assim uma especialidade neste regime face ao CPA que faz desaparecer uma ordem de preferência pela antiguidade (artigo 15.º n.º2).

196.º
Quanto às deliberações em si, uma vez que estavam presentes os cinco vogais, existiria quórum, pois o número de vogais presentes, 4, correspondia à maioria legal dos seus membros com direito de voto (cfr. art. 22 n.º1 CPA que é seguido pelo artigo 5.º regimento do conselho de justiça).

197.º
O artigo 20.º do Estatuto da FPF, que afasta a aplicação do regime regra previsto no 25.º n.º 1 CPA, exige apenas a maioria simples para a deliberação, o que foi cumprido pelos vogais.

198.º
No entanto, apelamos a uma ponderação mais profunda da questão.

199.º
Admitir a validade destas deliberações, e em especial relativamente aos recursos, visto que eram as únicas que restavam ainda da antiga ordem de trabalhos, com base nesta análise formalista, seria abrir um grave precedente na história institucional dos órgãos colegiais administrativos.

200.º
Esta reunião é manifestamente contrária ao regular funcionamento das instituições colegiais.

201.º
Para mais, é violadora do princípio democrático que norteia a actuação deste tipo de órgãos.

202.º
O Presidente do Conselho de Justiça e o Vice-Presidente saíram da reunião fundadamente convencidos que não existiria nenhuma outra deliberação nesse dia.

203.º
Os vogais não demonstraram nem ao Presidente nem ao Vice-Presidente qualquer intenção de prosseguir a reunião.

204.º
Quanto a este último, nem mesmo nos instantes em que esteve apenas reunido com os vogais, já sem a presença do Presidente.

205.º
Ao insistirem em se manter reunidos da forma que o fizeram os vogais agiram de má-fé, pois nem se dignaram a comunicar a estes dois membros a sua intenção.

206.º
Com esta atitude, os vogais vedaram, deliberadamente, o direito de voto aos Presidente e Vice-presidente, sem qualquer fundamento jurídico.

207.º
Pelo que, os vogais não fizeram tudo o que estava ao seu alcance para evitar uma situação de deliberação anómala com prejuízo grave para dois dos membros do órgão deliberativo.

208.º
Exigia-se a estes vogais que tivessem pedido a convocação de uma reunião extraordinária com urgência, eventualmente logo para o dia seguinte, dando conhecimento da existência dessa reunião a todos os membros do Conselho de Justiça, ou, no mínimo, que tivessem avisado os ausentes das suas pretensões.

209.º
Esta teria sido a actuação de um vogal diligente.

210.º
Ora, não foi esta a atitude dos vogais do Conselho de Justiça.

211.º
Não pode um membro de um órgão colegial faltar a uma pretensa reunião que ele próprio desconhece, ainda para mais tratando-se do Presidente e do Vice-Presidente.

212.º
Daí sustentarmos que neste caso não deverá ser possível a aplicação do regime acima referido da substituição do presidente e vice-presidente em caso de falta.

213.º
O ratio dessa norma pretende que a ausência do Presidente e do Vice Presidente a uma reunião não impeça a deliberação do órgão.

214.º
Não visa assim a norma o sentido oposto de legitimar a provocação dessa ausência para que estes sejam afastados do processo deliberativo.

215.º
Como tal, a nomeação de um vogal para assumir o cargo de Presidente do Conselho de Justiça (46.º, n.º 3 do Estatuto) representa neste caso um abuso de direito por parte dos vogais.

216.º
Essa deliberação constitui um exercício inadmissível de uma posição jurídica e deve ser considerada anulável de acordo com o regime regra do 135.º CPA.

217.º
Não bastante, os vogais violaram o princípio da boa-fé, que é um princípio norteador da actuação administrativa previsto no artigo 6º-A do CPA.

218.º
Pois, como foi exposto, os vogais não actuaram deliberadamente de acordo com a diligência mínima exigida.

219.º
O princípio da boa-fé é inclusivamente um princípio constitucional previsto no artigo 266º, n.º 2 da CRP.

220.º
As deliberações estão assim inquinadas pelo vício de violação de lei e como tal são anuláveis nos termos gerais.

221.º
Os vogais violaram igualmente o princípio democrático, o princípio basilar de toda a regulação de órgãos colegiais.

222.º
Impedindo assim que dois membros pudessem fazer ouvir a sua voz.

223.º
E negando ao Presidente e ao Vice-presidente, um direito que lhes é conferido.

224.º
Ao fazê-lo os vogais violaram também o princípio da proporcionalidade, pois não escolheram o meio de actuar menos gravoso, que resolvesse de forma igualmente eficaz o problema suscitado.

225.º
Trata-se também este de um princípio constitucionalmente protegido pelo mesmo art. 266.º n.º 2.

226.º
Assim, mais não resta do que pugnar pela anulação das deliberações relativas aos recursos, pelo vício de violação grave de lei.

227.º
Também a deliberação de revogação do despacho de impedimento é ilegal.

228.º
O assunto não estava na ordem do dia e, como tal, não podia ter sido deliberado (art. 19.º CPA).

229.º
Nem poderia ter sido accionado o mecanismo de urgência previsto no artigo 19.º, 2.ª parte, CPA, porquanto não estavam reunidos os requisitos do artigo 21.º.

230.º
Requisitos estes manifestação do princípio da primazia da materialidade subjacente no dizer de António Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1997, reimpressão, pp. 1252 e ss.

231.º
Esta ilegalidade consubstancia um vício de forma que gera a anulabilidade nos termos gerais.
.
232.º
Enquanto anulável o acto ainda produz efeitos.

233.º
No entanto a anulação desta deliberação implicará a repristinação do acto revogado (neste caso o despacho de impedimento proferido pelo Presidente do CJ).

234.º
Tem sido esta a jurisprudência estável do STA.

235.º
Veja-se a formulação já várias vezes repetida presente no Acórdão STA 11-09-2008: «O acórdão anulatório de acto administrativo revogatório só permite repristinar o acto revogado se a anulação tiver como fundamento a ilegalidade da revogação».

240.º
Ora é exactamente esta a questão em apreço.




Nestes termos e nos mais de Direito, deve a acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
a) Declarados inexistentes os actos decorrentes das deliberações referentes aos recursos da comissão disciplinar da liga, a saber:
i. Processo de recurso nº 36/CJ-07/08;
ii. Processos de recurso n.ºs 37-38/CJ-07/08;
iii. Processos de recurso n.ºs 41-43/CJ-07/08;
iv. Processos de recurso n.ºs 44-45/CJ-07/08 e
v. Processo de recurso n.º 01/CJ – Disciplinar-07/08;
Subsidiariamente, caso se entenda pela sua improcedência, que se declarem:
b) Nulos os actos jurídicos decorrentes dessas mesmas deliberações referentes aos recursos da comissão disciplinar da liga
Ainda que assim não se entenda, que se julgue procedente por provada e:
c) Anuladas as deliberações em causa.


Para tanto de requer a V.ª Ex.ª que sejam citados os demandados para contestarem, querendo sob cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos legais.

Arrola-se como testemunha:
Cartão Amarelo, casado, secretário do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, residente na rua Simões de Castro, n.º 162, 3.º Esquerdo, concelho de Lisboa

Valor: € 30 000,01
Junta: 2 documentos, procuração, duplicados e comprovativo do pagamento de taxa de justiça inicial.






Anexos Multiplos<

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