sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Parecer do Ministério Público - Subturma 11

Exma. Senhoras Juízas de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto

O procurador da República neste tribunal, notificado, nos autos em epígrafe, nos termos do artº 85º CPTA, a pronunciar-se sobre o mérito da causa:

-I- Cumpre, desde já apreciar a efectividade da questão da suspensão do Presidente do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, bem como as consequências de uma eventual aceitação desta hipótese.

Os elementos de facto disponíveis são algo confusos: entre contradições e desmentidos, não há certezas quanto a nada. Todavia, dos poucos elementos de prova de que se dispõe, a actas aparentam ser um bom ponto de partida para uma análise mais jurídica dos factos. Da acta encerrada às 17.55h consta que, de uma troca de ideias, eventualmente mais acesa, originada por um impedimento suscitado pelo presidente, Dr.Espadinha, surge uma proposta para a suspensão do mesmo, pelo vogal, Dr.Troca-Tintas. Posteriormente, e este é o “pomo da discórdia”, é encerrada a reunião. Tê-lo-á sido? Nesta sede, cumpre perceber se há, ou não, competência do vogal para propor a suspensão do Presidente, se há, ou não, hipótese de existir essa suspensão imediata de funções e, finalmente, tudo visto, se a reunião é devidamente encerrada, ou não. A questão tem a maior das importâncias: se se aceitar a tese da suspensão, nada obsta, num juízo aprioristico, a que a segunda reunião seja válida. Pelo contrário, se se entender que o Presidente está em efectividade de funções e a trabalhar com plenos poderes, parece respeitar a legalidade a decisão de encerrar a reunião.

Por partes.

Terá o vogal o vogal competência para propor a suspensão? Em ordem a responder devidamente à pergunta, cumpre fazer uma leitura conjugada do Código do Procedimento Administrativo (doravante C.P.A) com o Regimento do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol (doravante RCJFPF). Sobre este ponto específico, o RCJFPF é omisso, pelo que a leitura do C.P.A, enquanto integradora de lacunas nesta situação, se torna mais esclarecedora. A disposição merecedora de alguma vénia e apreciação é o artº 48/2 C.P.A. De facto, pode o vogal, enquanto interessado, pedir a suspensão do titular do orgão, o seu Presidente, se suspeitar da sua “isenção ou rectidão da sua conduta”, nos termos do artº 49º C.P.A.. Naturalmente, o artigo em análise (48º/2C.P.A) exemplifica algumas causas que levem a esse juizo, mas não se pode falar, aqui, numa tipicidade. Na verdade, não cabe em nenhuma das alíneas o que aqui se discute, o que não invalidaria a possibilidade de suspeição, como se disse, na medida em que a lei apenas se traduz numa clausula geral, querendo abranger as situações análogas às positivadas. Será que há fundamento? Será que há alguma causa que justifique este requerimento? Impõe-se uma análise dos factos, como ainda são conhecidos. Postulados que estão, mesmo no C.P.A, os princípios da actividade administrativa, há que salientar a Boa Fé, nas suas dimensões materialidade subjacente e, essencialmente tutela da confiança. Efectivamente, aparenta ser algo extemporânea e infundada esta oposição de suspeição. Mais ainda: a realidade faz admitir que se trate de uma forma de abuso de direito, conhecida e concretizada na forma jus-civilística, transposta para a realidade administrativista, do tu quoque. Na senda do impedimento que se quer alegar, um vogal invoca e opõe suspensão e processo disciplinar ao presidente do orgão colegial, pelo que se conhece, sem outro motivo aparente. A interpretação da norma patente no artº 48º tem outros fundamentos. De facto, quer-se um procedimento livre de suspeições, transparente e mesmo justo. De forma a garantir estas realidades existe esta norma. Não a podemos entender enquanto “arma de arremesso”, como ferramenta de resposta, ainda para mais, tendo sido apresentado requerimento numa altura em que os ânimos estariam mais exaltados. Numa perspectiva mais formalista, cabia a apreciação da suspeição ao conselho, sem a intervenção do seu presidente, como prescreve o artº 45/4 C.P.A, ex vii artigos 49º e 50º C.P.A. Tudo isto seria assaz viável, mas o entendimento do Ministério Público é contrário. O corpo do artº 48º/2 fala num “fundamento semelhante” aos elencados nas alineas anteriores. Como se disse supra, não se entende por “fundamento semelhante” um acto desprovido do espírito da actuação administrativa conforme aos seus valores. Não se entende por “fundamento semelhante” um desrespeito pelo princípio da Boa Fé, efectivado num uso de uma atribuição para fins meramente revanchistas. Por outro lado, salienta-se a atitude reprovável dos restantes membros do orgão. Licenciados em direito que têm de ser, nos termos do artº1/3 RCJFPF, devem estar cientes que um ordenamento se constitui por normas, princípios e valores, sendo estes últimos essenciais para a prossecução correcta das suas atribuições. Há clara má fé dos mesmos, que, aparentemente, votam favoravelmente pela suspensão do Presidente, não interpretando normas jurídicas, não atendendo aos fundamentos, simplesmente seguindo a sua vontade.

Também não parece existir qualquer impedimento do Presidente. Aqui, ao contrário do que ocorre no artº 48º C.P.A, os casos elencados são taxativos. Uma vez mais, não se encontra cabimento em nenhuma das alíneas.

Se fosse encontrado o requisito do artº 48/2 C.P.A, o “fundamento semelhante”, o iter procedimental e decisório seria bem diferente. Em vez de um presidente completamente imparcial, livre de suspeições, haveria lugar a uma suspensão, que podia ser imediata, nada o impedia, desde que o orgão responsável tomasse a decisão central. Nesse caso, e aqui se volta à leitura conjugada com o RCJFPF, o artº 4º do citado regulamento, permitiria a assumpção da presidência pelo Vice-Presidente, ou um outro vogal. Esse aparenta ser o entendimento dos contra-interessados e demandado.

Sobre esta questão, portanto, não é possível verificar impedimento, muito menos a suspenção do Presidente do Conselho de Justiça, na medida em que não estão preenchidos os requisitos legais.

O Presidente do Conselho de Justiça vem, na qualidade de autor, pedir a anulação da instauração do processo disciplinar, pelo que é uma questão merecedora de resposta nesta sede. Novamente, se remete para a leitura conjunta do C.P.A com o RCJFPF. Neste âmbito específico, é o regulamento que merece ser salientado, mais especificamente, no seu artº 57, que dispõe acerca da competência para a instauração de processo disciplinar. Efectivamente, ela cabe ao Conselho e ao presidente, nalguns casos. O que aqui merece destaque e ponderação é o seguinte: sabendo que esse processo se inicia por acto administrativo, após deliberação, o que se pode registar é que o mesmo é nulo, nos termos do artº 133/2 g) C.P.A. Dos elementos de facto disponíveis, apesar das divergências de opinião de ambas as partes intervenientes nessa reunião, não pode deixar de se reconhecer um ambiente de alguma crispação entre os membros do conselho. A doutrina tem entendido que esta alinea se aplica nos casos em que há situações perturbadoras da racionalidade da formação de vontade do orgão. Parece ser evidente, quanto mais não seja, pelo teor verbal das afirmações proferidas. Por outro lado, não se chega a provar o impedimento do Dr.Fintas, mas, sendo-o, a decisão seria anulável, nos termos do artº51º C.P.A.


-II- Os órgãos colegiais, dentro dos quais se insere o Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol, definidos como aqueles que, compostos por duas ou mais pessoas, são dotados de iguais poderes de pronúncia sobre a mesma matéria, cujas vontades se fundem de modo a formarem a vontade do órgão, encontram a sua disciplina jurídica nos artigos 14º a 28º, Código de Procedimento Administrativo.

Dos órgãos colegiais fazem parte membros não qualificados, os vogais, e membros qualificados, os que têm funções específicas, nos quais se incluem o presidente e o secretário, tal como indica o artigo 14º, nº1, C.P.A.. Os mesmos órgãos colegiais contam com o elemento da competência no seu âmago, ou seja, são estes órgãos dotados de poderes funcionais, usados para a prossecução dos concretos fins de interesse público, que constam como atribuições do órgão. A competência, decorrência lógica do princípio da legalidade nas suas vertentes de reserva de lei, precedência de lei e densificação normativa, têm o seu reflexo no C.P.A., no artigo 29º, nº1, norma esta decalcada dos princípios presentes no artigo 266º, nº2, Constituição da República Portuguesa.

Desta ideia de competência, decorrem as funções do Presidente do órgão colegial, relevantes para o caso em apreço, como sendo: abrir e encerrar as reuniões, dirigir os trabalhos dos órgão, assegurar o cumprimento da lei no funcionamento e deliberação do órgão colectivo ( 14º, nº2, C.P.A. ) ; suspender e encerrar antecipadamente as reuniões, função deveras importante no caso em discussão ( 14º, nº3, C.P.A. ) ; tem ainda o presidente legitimidade processual para utilizar meios jurisdicionais para garantir a legalidade das deliberações tomadas pelo órgão ( 14º, nº4 ) ; ainda, fixar dia e hora das reuniões ordinárias das deliberações ( 16º ) , estabelecer a ordem do dia para as reuniões ( 18º ), convocar reuniões extraordinárias ( 17º ).
Em causa, agora, estará a questão da validade do encerramento antecipado da reunião do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol no dia 4 de Julho de 2008.

Tal como acima explicitado, faz parte das funções do presidente, para além da abertura e encerramento das reuniões em termos gerais, a suspensão ou encerramento antecipado das reuniões, quando circunstâncias excepcionais o justifiquem, mediante decisão fundamentada, a incluir na acta da reunião, patente no artigo 14º, nº3, C.P.A..
Quer isto significar que em condições de excepção e particular gravidade que possam ocorrer durante a reunião e que possam comprometer a deliberação, na seriedade e transparência exigidas para a mesma, não só pode como deve o presidente suspender ou encerrar tempestivamente a reunião, para assegurar que a manifestação de vontade do órgão não seja de forma alguma adulterada, deturpada ou distorcida na sua génese. As reuniões dos órgãos colectivos, exactamente por exprimirem decisões, por exprimirem a vontade do órgão, e por isso necessariamente despidas de qualquer facto externo que as possa ferir de irregularidades, estão sujeitas ao princípio da continuidade, como característica essencial. Por isso, a suspensão e o encerramento antecipado de reuniões por circunstâncias que perturbem a normalidade das deliberações apenas em certos casos pode ter lugar, cabendo ao presidente fundamentar a excepcionalidade da medida tomada, sendo que as razões para tal decisão deverão constar da acta da reunião.
Ainda partindo das funções do presidente, refere o nº2 do artigo 14º, C.P.A., a direcção dos trabalhos por parte do presidente. Dirigir os trabalhos dos órgãos é também levar a bom termo o propósito que presidiu à convocatória para a reunião, é respeitar o que está na base da reunião, o que tem de ser debatido, decidido, deliberado para que não se caia na redundância inútil de divagações e desvios aos trabalhos na ordem do dia. Impõe-se, então, certos trâmites em ordem ao regular funcionamento da assembleia, necessariamente levados a cabo pelo presidente, dadas as suas atribuições neste âmbito.
Assim, há que ter em conta, também, que a dita normalidade circunstancial das reuniões não é uma exigência directa do C.P.A., mas sim, indirecta, uma vez que no artigo 133º,nº2, g) refere expressamente a nulidade das deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente, abraçando a necessidade de estarem reunidas todas as condições que permitam à deliberação ter, não apenas a solenidade e seriedade merecidas, como, mais importante, existirem sem vícios.

Em causa : a ilegalidade do encerramento da reunião do dia 4 de Julho de 2008, encerrada às 17h55 pelo presidente do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol.

Tomando em atenção os factos descritos em acta, da mesma reunião, observa-se o referido encerramento antecipado, pelo presidente, justificado pela turbulência ocorrida na reunião e por esta se mostrar incompatível com a seriedade das decisões a serem tomadas.

De facto, e assim consta da acta da primeira parte da dita reunião, existiu troca de insultos entre o presidente e um dos vogais, por ter o presidente notificado o vogal no sentido de o considerar impedido quanto aos recursos em apreço na reunião. Decorrente da troca de palavras coléricas entre o presidente e o vogal, existiu a propositura de processo disciplinar ao presidente por parte de outro vogal, facto que foi ditado para a acta. Assim, resolve o presidente encerrar a reunião, justificando não estarem reunidos os pressupostos para a continuação da mesma, uma vez que a seriedade merecida para as decisões a tomar ficou seriamente comprometida pelos acontecimentos.

A reunião de 4 de Julho de 2008 do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol tinha em vista a apreciação dos recursos das decisões da Comissão Disciplinar da “Liga Cash and Carry de Futebol” que puniram os clubes de futebol “Belavista F.C.”, com a descida de divisão, e “Oporto F.C.”, com a perda de 6 pontos na época anterior, assim como suspenderam os respectivos presidentes, Dourado Filho e Costa do Pinto, por um período de 4 e 2 anos, respectivamente. O que na realidade acabou por ocorrer revelou-se diferente do que estaria previsto, visto que não ficaram decididos todos os recursos, uma vez que a serenidade foi perturbada pela discussão de assuntos alheios à discussão essencial.

Entende-se que estará justificada a decisão de encerramento antecipado da reunião, bem como se encontra fundamentado, pelas circunstâncias supra expostas, o acto administrativo, por parte do presidente. O princípio da continuidade que caracteriza as reuniões dos órgãos colegiais foi posto em causa, não só com a discussão de outras matérias para além das que estavam previstas, e que descaracterizaram as decisões a serem tomadas, mas também com a exaltação e a troca de insultos e palavras coléricas, que claramente perturbaram o normal andamento e funcionamento da reunião.
Em condições de excepção e particular perturbação que possam ocorrer durante reunião e que possam comprometer a decisão na forma de deliberação do órgão, em termos tais que a seriedade e solenidade exigidas para que uma deliberação exprima inequivocamente a vontade do órgão colegial, deverá o presidente suspender ou encerrar tempestivamente a reunião. Fica assim garantia a máxima idoneidade e credibilidade que deverão ter as deliberações. Se a reunião do Conselho de Justiça decorreu povoada de insultos e palavras agastadas trocadas entre os membros, fica seriamente comprometida a aptidão da deliberação para produção de efeitos. Mesmo não identificável directamente pelo C.P.A. uma norma que exija a normalidade de funcionamento destas reuniões, tal preceito é emanado indirectamente pelo descrito no artigo 133º, nº2, g), C.P.A., em que se determina a nulidade de deliberações de órgãos colegiais que tenham sido tomadas em ambiente de discórdia e alvoroço notório, querendo significar, no fundo, que decisões tomadas nestes contornos comprometem seriamente o fundamento de legalidade, competência e idoneidade para emanação de decisões.

Releva ainda o facto de estarem a ser debatidas, no momento em que se dá a agitação comprometedora da legalidade, questões que extravasavam claramente o contexto da reunião. Sendo certo que é possível discutir matérias que não estejam na ordem do dia de reunião ( 19º, C.P.A. ), é também certo que a discussão sobre essas matérias estranhas ao debate inicial provocaram o tumulto que fundamenta o encerramento antecipado, pelo que redunda a argumentação neste sentido no que é explicitado no artigo 133º, nº2, g), C.P.A.. Por conseguinte, considera-se suficientemente fundamentada a excepcionalidade do encerramento antecipado pelo presidente, considerando válido, eficaz o encerramento da reunião do Conselho de Justiça às 17h55, no dia 4 de Julho de 2008 ( 14º, nº3 ; 133º, nº2, g), C.P.A. ).
Visto isso, não procede a alegação e o argumento, alegado pela contraparte, de existir, afinal, falta do presidente à segunda parte da reunião ; visto que o encerramento foi válido, logo eficaz, não existe impedimento na pessoa do presidente, nem a necessidade de o substituir ; a reunião foi encerrada nos termos legais, fundamentadamente, considera-se, dadas as circunstâncias, não havendo lugar a impedimento nos termos que são definidos pelo artigo 44º, C.P.A., nem a substituição nos termos definidos pelos artigo 15º, C.P.A.. Não existe qualquer razão para a invocação de tais invalidades uma vez que não seria, de todo, necessário um impedimento do presidente ou a sua substituição havendo encerramento válido nos termos do artigo 14º, nº3, com a justificação de causa de nulidade da deliberação prevista no artigo 133º, nº2, g), C.P.A., caso a deliberação prosseguisse.

Conclui-se, então, que se observa a conformidade com as regras, nos termos gerais, da competência, patentes no artigo 14º, C.P.A., assim como se encontra preenchido o pressuposto de competência por parte do presidente, no âmbito do artigo 14º, nº2 e 3, de encerramento antecipado da reunião ( nº3 ), assim como as competências de direcção de trabalhos e garantia de cumprimento das leis e regularidade das deliberações ( nº2 ), no contexto das quais fundamenta o presidente a decisão de encerramento. Conclui-se também pela validade do encerramento da reunião, uma vez que se atenta na anormalidade do curso da assembleia, dadas as circunstancias conflituosas e susceptíveis de ferir de nulidade a deliberação, fosse ela tomada, com fundamento no dizer do artigo 133º, nº2, g), C.P.A., sendo o encerramento válido, à luz do artigo 14º, nº3, tendo como sustentáculo a condição agastada da reunião e considerando-se suficientemente justificada.

-III- Para além da qualidade comum e idêntica de todos os membros do órgão colegial que lhes confere a titularidade da vontade colegial, o certo é que, para assegurar o harmónico funcionamento dessa mesma vontade, é necessário dotar um ou alguns dos seus membros de poderes e deveres funcionais. Tal é o caso da decisão de encerramento da reunião, que é da inteira competência do presidente do órgão colegial nos termos do art. 14º/2 CPA : apenas ele a pode abrir e encerrar validamente e só entre o período compreendido estes dois momentos, é que o órgão colegial pode tomar as suas decisões.
Ainda assim a reunião de 4 de Julho de 2008 do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol foi retomada às 19h45: cinco vogais do dito órgão deliberaram a continuação da reunião na ausência do Presidente e do Vice-Presidente. Terá sido feita de forma válida? Primeiramente uma reunião é o encontro pessoal, solene, formal e processualizado dos membros de um órgão colegial com o objectivo de exercer a respectiva competência, e só no decurso da mesma é que é possível formar a vontade do órgão colegial. Será que se poderia qualificar como uma reunião extraordinária? O art. 17º do CPA prevê condições específicas para que tal possa acontecer, e não apenas pelo seu carácter excepcional e imprevisto. Esta teria de ser especificamente convocada, com uma data e hora para a mesma, indicando também a ordem do dia. E convocatória essa que teria de ser feita para um dos 15 dias, note-se, seguintes, á apresentação do pedido e sempre com uma antecedência mínima de 48horas sobre a data da reunião extraordinária. Também não houve uma ordem do dia nos termos em que o art. 18º CPA a exige: é da máxima importância porque nela se fixam os únicos assuntos que poderão ser objecto de deliberação no decurso da reunião, acrescido também do facto de que não foi estabelecida pelo Presidente do órgão. Se não havia ordem do dia, o que é que havia para deliberar?
Tendo sido encerrada a primeira reunião, e não se verificando as condições para a existência de uma segunda reunião, não poderemos dizer que um qualquer encontro de membros do colégio, ainda que presencial, constitui uma reunião. Não havendo reunião, não houve deliberação.
O art. 21º do CPA reconhece a possibilidade de, em caso de inobservância de certas formalidades sobre a convocação de reuniões – quer mal convocadas, quer não convocadas de todo - conduzir-se à ilegalidade das deliberações por vício de forma. Contudo, essas ilegalidades passaria a meras irregularidades não invalidantes, na medida em que, não obstante a omissão verificada, se tenha alcançado o objectivo específico que se pretendia produzir. Esta ilegalidade não poderia, no entanto, ser superada, porque não estavam reunidos os pressupostos, cumulativos, para tal. Ainda que não se suscitasse qualquer oposição, todos os membros do órgão colegial teriam que comparecer para sanar as ilegalidades.
Sem prejuízo de poderem ser sanadas, este artigo confirma a força invalidante das ilegalidades cometidas em matéria de convocação de reuniões. Um acto ilegal da Administração é um acto que, por não respeitar um dos seus requisitos de legalidade se apresenta numa situação de desconformidade com o bloco de legalidade, quer desrespeitando os limites impostos por este, quer pela ausência de algum fundamento normativo. Sendo assim o acto será objecto de um juízo desfavorável e sancionatório por parte da ordem jurídica, traduzindo-se na sua invalidade ou ineptidão intrínseca para produzir os efeitos visados.
A invalidade pode assumir diferentes formas e importa saber que desvalor jurídico aplicar a este caso. O legislador afirma a anulabilidade como regra no art. 136º CPA e a nulidade como excepção no art. 133º CPA, referindo os casos de nulidade por determinação legal.
A nulidade está reservada para os actos que incorrem em ilegalidades de tal modo graves que a ordem jurídica reclama o restabelecimento integral do interesse violado, ou seja a sua improdutividade total de efeitos ab initio.
Fora o conjunto de matérias, exemplificativo, do nº 2 do art. 133º do CPA, importa referir que o artigo, no seu nº 1, prescreve como nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais. O que poderemos considerar como elementos essenciais de um acto administrativo? Não são certamente as referências constantes no art. 120º , que se reporta ao próprio conceito de acto administrativo, ou às menções obrigatórias no art. 123º/2 do CPA. Elementos essenciais são todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere o art. 133º/2 CPA. Fora a importância da voluntariedade da conduta e de produção de efeitos jurídicos no caso concreto, prende-se até como relevante para a questão em apreço, que um acto administrativo consiste na manifestação, quer uma acção quer uma omissão, de um órgão da Administração. Não basta que a conduta provenha de quem possa correctamente ser qualificado como órgão: é necessário que este se encontre nas condições prescritas por lei para poder exercer as suas funções, o que tem particular importância no caso dos órgãos colegiais, porque estes só podem agir como tal, depois de constituídos. E sem órgão colegial devidamente constituído não há reunião, nem conduta que se lhe possa se atribuída.
Será que estamos perante uma inexistência? Será que sem tais elementos do conceito acto administrativo, o acto não existe? Não se vislumbra no fundamento usado pela A. no art. 82º qualquer caso de inexistência jurídica. Um acto ao qual faltem os mais elementares requisitos qualificativos da sua própria noção, ou quando viole um requisito que a lei considere necessário para a conduta do órgão administrativo deve ser nulo e não inexistente. Até porque a própria letra da lei no art. 133º/1 do CPA vem dar razão a esta posição, pretendendo claramente passar a considerar como nulos casos que até aí a maioria da doutrina entendia como inexistentes.
A distinção entre as duas categorias tem interesse procedimental e processual.
É certo que a inexistência é um conceito distinto de nulidade, cabendo-lhe um regime jurídico consequentemente mais grave: enquanto o acto nulo até pode produzir efeitos putativos (art. 134º/3 CPA) o acto inexistente não produz nenhuns. A inexistência é uma categoria com efectiva autonomia conceptual e categorias dogmáticas diferentes relativamente à nulidade.
O argumento da inexistência jurídica não procede porque a secção III do CPA não faz qualquer referência à inexistência, para além da que consta do art. 137º/1 CPA, e porque a grande maioria dos casos qualificados pela doutrina como integrantes de categorias de inexistência passaram a ser considerados pelo legislador como nulidades. Refere-o expressamente, e independentemente da opinião face à escolha do legislador de incluir no conceito de nulidade situações tidas pela doutrina como cruciais no conceito de inexistência, o certo é que o artigo da nulidade prevê essas situações. O próprio preâmbulo que aprovou o CPA explicitava na altura: os actos nulos foram definidos em termos mais amplos, o que reflexamente viria diminuir o âmbito da inexistência. A nulidade verificar-se-à sempre que falte algum elemento essencial mas ainda seja possível reconhecer o tipo legal em que o acto se insere.
E a reunião será nula apenas nos termos do art. 133º/1: é incongruente a invocação da usurpação de poderes pelo art. 133º72 b) CPA. A usurpação de poderes só ocorre quando a Administração Pública através de um acto administrativo, faz algo que seja da competência de órgãos de outros Poderes do Estado (judicial, legislativo e político). Não era essa a situação presente. Tratava-se de um órgão que inobservou as disposições sobre convocação de reuniões e não o exercício de poderes que se traduzam numa violação do princípio da separação de poderes, princípio na origem do presente vício.
-IV- Todos os autores, como se viu e analisou supra, pretendem demonstrar que que as decisões estão feridas com a mais grave das sanções, a inexistência. Por outro lado, não deixam de admitir a nulidade, mais especificamente, pela usurpação de poder. Sobre ela já houve a oportunidade de falar.

Dos poderes atribuídos ao Ministerio Público, o artº 85 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos confere a possibilidade de, nos processos impugnatórios, como este o é, se invocarem causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas nas petições iniciais, bem como de suscitar quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do acto impugnado, não estando, também, vedada a hipótese de suscitar anulabilidade, por interpretação enunciativa do preceito.

Na verdade, não aparenta ser fácil encontrar mais causas de invalidade, nem questões que determinem a nulidade. Todavia, isso não quer dizer que não existam.

Uma primeira abordagem prende-se, necessariamente, com o respeito que a lei fundamental merece. Anda controvertida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber o que acontece ao acto administrativo que viole a Constituição da República Portuguesa (doravante C.R.P). O problema é antigo. Resumindo, uma velha máxima francesa, “pas de nullité sans texte” ajuda a entender que as nulidades devem estar tipificadas na lei, sendo que o argumento mais sólido é a grande segurança jurídica que se gera. Todavia, a solução que consta da lei nacional, mais especificamente no C.P.A, vem desvirtuar um tanto ou quanto essa lógica positivista, sendo que o artº 133º é apresentado enquanto clausula geral de nulidade, ainda que contenha um elenco de possiveis causas de nulidade, não se livrando esse elenco, todavia, do rótulo de exemplificativo. Além do mais, não teria qualquer sentido tomar como anuláveis os actos administrativos que violassem a Constituição, quando as normas que a infringem são nulas. Por outro lado, uma leitura sistemática do artº 133º C.P.A permite perceber que aquele elenco de nulidades tem como guia orientador a C.R.P. Basta pensar na usurpação de poderes, logo na alinea a). Não é ela um corolário da defesa do princípio da separação de poderes postulado na lei fundamental? Mais flagrante é a alinea d), que, apesar de interpretações mais restritas ou amplas, pretende salvaguardar os direitos fundamentais, com sede honrosa também na constituição.

Tendo isto presente, não é possível deixar de apreciar a deliberação de um orgão tomada em condições tão excepcionais como estas são. Não é possível passar ao lado de tantos incidentes, de tanta controvérsia. O apuramento possível dos factos leva-nos a uma reunião que, neste parecer, não foi interrompida, foi terminada, validamente. Todavia, é esta a sede para fazer algumas perguntas: e se, de facto, pode considerar-se válida a continuação da reunião? Afastando-se a hipótese e tese de uma segunda reunião ilegal, será que, nesse caso, as deliberações tomadas são válidas? Mais especificamente, teriam as decisões daquele orgão alguma força?

O entendimento é negativo. Há nulidades a invocar. É assim por duas razões que se passam a expor.

Num primeiro plano cumpre sublinhar que há violação da CRP. Concretizando, o primeiro apontamento é o de entender algo diverso e interpretar de forma contrária a um dos contra-interessados, o artº 2 CRP, acerca do Estado de Direito Democrático. Não cumpre aqui, de forma exautiva, entender todas as dimensões do preceito. Como lembra a melhor doutrina, este artigo compreende 3 segmentos: Designação do Regime Político; Enumeração dos Seus Elementos; Indicação dos Objectivos a Alcançar. Todos eles são segmentos relevantes. Em primeiro lugar, Estado de Direito é uma ideia que deve ser ligada à democracia cultural. Não poderiamos pensar, neste momento, em conceito mais abstracto. Todavia, há um entendimento e descodificação que devem ser feitos. A discussão gira em torno dos destinos de clubes da modalidade desportiva que mais apaixona os nacionais. Uma palavra da justiça, seja ela tomada na acepção que for, dirigida aquelas instituições terá sempre repercursão na opinião pública e no juizo social. É, portanto, cum granus salis que qualquer orgão de justiça, incluindo o Conselho de Justiça, deve julgar qualquer questão para que tenha competência decisória. Não foi assim. No meio de tumultos, no meio de incidentes de suspeição, tenta-se prosseguir uma reunião com hipótese de existirem membros impedidos, o que gera, como lembram os Autores, anulabilidade das decisões tomadas. Numa falta de espírito de unidade, de espírito democrático, ficou por cumprir, até mesmo por ler, a disposição que refere que se visa a realização de uma democracia económica, social e cultural, com incidência especial nesta última. O que acontece naquela reunião mais não é que um desrespeito pela constituição, nos seus termos mais básicos. O futebol é uma inegável vertente da cultura. Merece cuidado, merece respeito, respeito que é tutelado pela CRP. A cultura é um direito fundamental que deve ser efectivado. Não o é quando se tomam decisões sobremaneira relevantes em ambientes pouco próprios. Assim, no seguimento da argumentação expedida supra, as decisões são passíveis de nulidade, sendo esta uma nulidade por natureza, causada por uma violação da CRP.

Num segundo plano, ainda tomando como hipótese que a reunião não foi encerrada, não deixam de ser anuláveis as suas deliberações, mais especificamente as impugnadas. É entendimento do Ministério Público que se está perante um vício de desvio de poder, na sua vertente de interesse privado. Conhecidas que são as gigantescas dificuldades de produção de prova deste vício, tal não se apresenta como condição definitiva para se decretar o seu óbito. Factos são factos. O Dr.Fintas poderá estar impedido, todavia não se apresenta preocupado com esse facto e prossegue na reunião. O presidente do orgão dá por encerrada a reunião, decisão que não é reconhecida pelos restantes membros do orgão. Porquê? Qual o interesse em prosseguir a reunião à revelia do seu presidente? Nesta óptica, configura-se o preenchimento dos elementos caracterizadores deste vício: falta de prossecução do fim legal do acto administrativo, em detrimento de outros fins. Se assim não fosse, a reunião teria sido terminada, as questões de suspeição sanadas e, aí, estariam reunidos todos os pressupostos para a existência de uma reunião válida e conforme. A falta de vontade de todos os membros do orgão revela ser o nexo de causalidade que falta, para ligar o comportamento á decisão. Os interesses privados, e só eles, justificam esta tomada de posição.

Posto isto, a conclusão que se retira é simples: admitindo o prolongamento da reunião, mesmo assim, não são válidas as deliberações. Os actos dimanados padecem de nulidade e anulabilidade nos termos expostos, pelas razões apontadas.

-V- Por todo o exposto, entende-se merecer provimento a presente acção.


O Procurador da República

Patrício Oliveira e Oliveira

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