segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Paracer de Jurisconsulto

Prof. Doutor Empreitadas do Amaral
Lisboa




PARECER JURÍDICO



Este parecer destina-se a tentar compreender, do ponto de vista jurídico, a situação ocorrida na reunião do Conselho de Justiça da Federação Popular de Futebol ( CJ), no dia 4 de Julho de 2008, e averiguar acerca de eventuais ilegalidades e suas consequências.

A análise deste caso vai ser feita por partes, relatando-se os factos cronologicamente, procurando logo dar uma resposta às questões relevantes que se levantarem. Deixa-se para uma última parte a conclusão geral deste caso.


1): A primeira parte da reunião

A reunião do CJ do dia 4 de Julho de 2008 iniciou-se cerca das 16.00 h, devido ao atraso do presidente do mesmo órgão, e decorreu inicialmente nos termos previstos, isto é, de acordo com a ordem de trabalhos estabelecida para aquela reunião, designadamente no respeitante aos processos inscritos nas diferentes tabelas, durante mais ou menos uma hora. Assim, foi tomada uma deliberação respeitante a uma participação oportunamente feita à Comissão Disciplinar daLiga, foi decidido um processo de protesto inscrito na tabela respectiva e foram decididos, por unanimidade, três processos de recurso, um dos quais – o n.º 29-30/CJ-07/08, igualmente.
Quanto a esta parte não há reparos a fazer. Todos os membros do CJ estavam presentes e não consta que tenha havido incidentes de qualquer tipo.




2): O impedimento suscitado em relação ao dr. Fintas

Logo após a votação do acórdão referente aos processos de recurso nº 29-30 relatado como referido pelo vogal dr. Fintas cerca das 17.00h, o presidente do CJ dr. Tomaz Amaral, invocando ter de se ausentar por alguns instantes, levantou-se, pediu ao secretário do mesmo órgão, dr. Roberto Leal, que o acompanhasse e saíram ambos da sala. A reunião ficou, por isso, suspensa.
Dirigiram-se ambos para uma outra sala e aí o dr. Tomaz Amaral pediu que um documento contido numa disquete, que tinha trazido consigo do Porto, fosse impresso em duplicado e em papel timbrado do CJ. O documento em causa intitulava-se “Decisão dos Incidentes de Impedimento e Suspeição do Conselheiro dr. Fintas suscitados por Belavista Futebol Clube SAD e por Jorge Nuno Costa do Pinto”. As duas vias daquele documento foram rubricadas e assinadas pelo presidente do CJ.Seguidamente, o dr. Tomaz Amaral pediu ao dr. Roberto Leal que chamasse o dr. Fintas, o que aquele fez, telefonando para a sala onde se encontravam os restantes membros do CJ. Entretanto, o presidente do CJ determinou ao secretário, dr. Roberto Leal, que notificasse o dr. Fintas visado na decisão constante do documento acabado de assinar, pedindo ao dr. Roberto Leal, para o efeito, que nele inscrevesse, à mão, o seguinte texto:
“Nesta data notifiquei pessoalmente o dr. Fintas, Conselheiro do CJ da FPF. 04.07.2008, 17h15m”.



Nesse momento chegou o dr. Fintas. Ao tomar conhecimento da intenção do presidente do CJ de lhe fazer uma notificação formal, disse-lhe que tal tipo de notificações, especialmente as relativas a assuntos a tratar na reunião do CJ que estava a decorrer e que tinha sido suspensa apenas pela ausência momentânea do presidente, deveria ser feito nessa mesma reunião, e não fora da sala em que a citada reunião estava a decorrer. O dr. Tomaz Amaral concordou. inscrito na correspondente tabela – foi relatado pelo vogal dr. Fintas (os outros dois, o n.º 19 e o n.º25, foram objecto de uma deliberação unânime de aditamento à tabela, primeiro, e seguidamente votados, também por unanimidadeFoi então que o presidente do CJ entregou ao vogal dr. Fintas a decisão que acabara de tomar no sentido de o considerar impedido nos processos de recurso n.ºs 36, 37-38 e 39-40, bem como nos processos n.ºs 41-42-43 e 44-45, todos referentes à época de 2007-2008. Pediu ainda ao mencionado vogal que este tomasse conhecimento de tal decisão por escrito, assinando-a. Após uma rápida leitura, o dr. Fintas inscreveu na mesma o seguinte texto:“Tomei conhecimento. Alego incompetência material, remetendo a questão para o Pleno do CJ da FPF. 4/7/2008”

O Presidente do CJ entendeu que aqui estaria em causa uma situação cuja competência lhe cabia apenas a ele. O Presidente considerou aplicável o artigo 45.ºdo Código de Procedimento Administrativo ( doravante CPA). De facto, de acordo com o n.º3 desse mesmo artigo cumpre ao presidente do orgão colegial conhecer da existência de qualquer impedimento de um titular de um orgão e declará-lo. E foi isto que o Presidente do CJ fez.
No entanto, este caso não parece configurar uma situação de impedimento. O instituto regulado nos artigos 44.º a 51.º do CPA visa impedir a participação de certas pessoas em casos concretos e por razões específicas, na qual pode surgir a suspeita de prossecução de interesses pessoais.
A situação do vogal dr. Fintas era, ao que parece, um caso de incompatibilidade genérica de cumulação de cargos ( vogal do CJ e de perito na lista a que se reporta o artigo 14.º do Regulamento do Estatuto, da Inscrição e Transferência de jogadores). Essa cumulação parece não ser permitida pelo artigo 13.º/2 dos Estatutos da Federação Popular de Futebol ( de agora em diante apenas Estatutos). Assim, a solução não passaria nunca pelo impedimento, porque não havia fundamento para ele. O que o Presidente do CJ deveria ter feito era promover a perda do mandato do vogal dr. Fintas, nos termos dos artigos 17.º,c) e 71.º/2 e 3 dos Estatutos . Ora, esta perda do mandato é da competência do Presidente da Assembleia Geral da FPF, havendo recurso para o plenário da mesma Assembleia. Isto de acordo com os artigos 23.º/5 e 71.º/4 dos Estatutos.
Em regra, a prática, por um orgão, de um acto da competência de outro orgão pertencente à mesma pessoa colectiva, gera a mera anulabilidade. No entanto, dada a separação rígida dos poderes ( que se reflecte orgânicamente), parece que este caso constitui, afinal, um caso, não de simples falta de competência, mas verdadeiramente de falta de atribuições. Assim, vericar-se-ia a nulidade por invasão de atribuições alheias, nos termos do artigo 133.º/1,b) do CPA.
Daqui decorre que o dr. Fintas tinha todo o direito em alegar a incompetência do Presidente do CJ e em não reconhecer os efeitos daquela decisão, direito que lhe assiste, nos termos do artigo 134.º/1 e 2 CPA. Ou seja, a nulidade não produz efeitos independentemente da sua declaração.



3): Encerramento antecipado da reunião

Após a notificação da decisão de impedimento do vogal dr. Fintas descrita no final do nº 23, e ocorrida um pouco depois da hora mencionada na notificação subscrita pelo dr. Roberto Leal (cerca das 17.17 h), existem duas versões sobre o que se passou e quanto ao ambiente geral vivido na sala: a do presidente do CJ, dr. Tomaz Amaral (i); e a de todos os demais membros do mesmo órgão (ii). A acta da reunião é, quanto ao lapso de tempo que decorre desde o momento daquela notificação até à decisão do presidente do CJ de declarar encerrada a reunião, muito parca em pormenores: limita-se a referir que o dr. Tomaz Amaral “explicou os motivos da sua decisão”, transcreve o requerimento formulado verbalmente pelo vogal dr. Troca-Tintas e o despacho de encerramento proferido pelo dr. Tomaz Amaral.Quanto à versão (i): versão do presidente do CJSegundo o dr. Tomaz Amaral, o vogal dr.Fintas reagiu mal à notificação e dirigiu-se-lhe nos seguintes termos: “vai para o raio que te parta!”. A decisão, segundo o mesmo vogal seria inválida e, por isso, apelando para o pleno do CJ, recusou-se a abandonar os trabalhos. O dr. Tomaz Amaral justificou a sua competência para decidir sozinho, e não em plenário do CJ, com base no Código do Procedimento Administrativo (em especial, arts. 45.º e 50.º).Entretanto, num ambiente de alguma tensão e em que existiam conversas cruzadas, o vogal dr. Troca-Tintas disse: “presidente: ou revogas a decisão ou levas com um processo disciplinar com suspensão imediata!”.Foi a partir deste momento que o dr. Tomaz Amaral decidiu só dar a palavra a todos os demais membros do CJ que pretendessem intervir, na condição de o fazerem ditando directamente para a acta. Nesse momento, o dr.Troca-Tintas pede a palavra, que lhe é dada pelo dr.Tomaz Amaral, e dita para a acta os requerimentos referentes à instauração de um processo disciplinar ao presidente do CJ e à sua imediata suspensão de funções.Logo de seguida, considerando não existirem nem a calma nem a serenidade suficientes para prosseguir a reunião, devido ao tumulto que se havia instalado, e sentindo-se coagido em virtude da ameaça anteriormente feita pelo vogal dr. Troca-Tintas, o dr. Tomaz Amaral ditou o despacho transcrito na acta, o qual culmina com a declaração de encerramento imediato da reunião pelas 17.55 h .


Posto isto, o presidente do CJ abandonou a sala em que estava a decorrer a reunião, pedindo ao secretário dr. Roberto Leal que o acompanhasse, a fim de elaborar imediatamente a acta, uma vez que não queria sair do edifício–sede da FPF sem que a acta fosse lavrada pelo secretário e assinada por ambos. O dr. Roberto Leal saiu com o presidente.
Quanto à versão (ii): versão dos restantes membros do CJNenhum dos demais membros do CJ confirmou a existência de qualquer “tumulto” ou a existência de ameaças. Segundo os mesmos, houve tensão, nervosismo e momentos difíceis, mas durante o período de tempo considerado todos os presentes sempre permaneceram sentados nos respectivos lugares, trocando razões entre si, sem gritos nem insultos.Ninguém saiu da sala nem existiu qualquer interrupção dos trabalhos.
O vogal dr. Fintas utilizou a expressão acima transcrita depois de receber como resposta do presidente do CJ que este já o tinha ouvido na véspera sobre os requerimentos apresentados pelo Belavista F.C., alegando, o presidente, que os outros dois requerimentos eram idênticos ao primeiro, pelo que já sabia perfeitamente qual posição do dr. Fintas sobre a matéria. Este, porém, sentiu-se agravado devido à circunstância de apenas se ter pronunciado sobre os requerimentos do Belavista, mas não ter sido ouvido sobre os outros, entretanto apresentados pelo Sr. Jorge Nuno Costa do Pinto e pelo Oporto FC. Aliás, nem sequer tinha conhecimento da apresentação do último. O que mais irritou o dr. Fintas e o levou a proferir a frase irada acima referida foi o facto de o presidente lhe ocultar os requerimentos apresentados pelo Sr. Jorge Nuno Costa do Pinto e pelo Oporto FC, não lhe dando a ele, o visado, o direito de averiguar por si próprio se eram, ou não, idênticos aos primeiros – aqueles que foram apresentados pelo Belavista F.C. -, nem o direito de, querendo, acrescentar novos argumentos em sua defesa.
Neste momento o dr. Fintas fez menção de se pôr em pé, mas a pedido do dr. Troca-Tintas não o fez; no mesmo sentido, interveio o dr. Silva Mendes. Entretanto, o presidente do CJ respondeu à letra à citada frase e, dirigindo-se ao dr. Fintas, disse-lhe: “vai tu para o raio que te parta!”. Em todo o caso, mesmo neste momento, não foi posta em causa a continuidade dos trabalhos. Foi notória a preocupação do vice-presidente e dos vogais de encontrar uma solução razoável para a situação de impasse que se estava a viver. Foi-me confirmado, nesse quadro, o pedido formulado pelo dr. Troca-Tintas ao dr. Tomaz Amaral no sentido de revogar o despacho que declarava o impedimento do dr. Fintas. Houve ainda outras intervenções no mesmo sentido, designadamente dos drs. Silva Mendes, Fintas e Santos Pereira. A todos o dr. Tomaz Amaral respondeu, com intransigência, reafirmando a sua posição quanto ao tema e recusando qualquer hipótese de revogação do seu despacho.









Foi somente quando se aperceberam de que a atitude do presidente era definitiva e já não mudaria que o dr. Troca-Tintas pediu a palavra e, de improviso, ditou para a acta as já mencionadas propostas de instauração de um processo disciplinar contra o presidente do CJ e de imediata suspensão das suas funções. As referências ao processo e à suspensão apenas surgiram naquelas propostas, enquanto estavam a ser ditadas para a acta. Não houve em nenhum momento anterior qualquer ameaça, anúncio ou referência à ideia de um processo disciplinar ao presidente do CJ ou à da sua imediata suspensão de funções.
Os demais membros do CJ confirmam a resposta ditada para a acta pelo presidente do CJ e a sua saída, acompanhado pelo dr. Roberto Leal. Mas acrescentam que, com o presidente já em pé, vários deles apelaram ao dr. Tomaz Amaral para que não se fosse embora, uma vez que aquela reunião tinha de continuar.O presidente nada respondeu, e saiu.


Importa aqui levantar três questões:
- esta reunião pode ser considerada tumultuosa?
- era admíssivel a proposta do vogal Troca-Tintas?
- foi legal a decisão de encerramento da reunião pelo Presidente do CJ?

Quanto à primeira questão, o que está em causa é saber se a reunião foi tumultuosa para efeitos do artigo 133.º/2,g) CPA. Se o tiver sido, por um lado, as deliberações tomadas nesse momento são nulas, não produzindo efeitos, por outro, haveria, em princípio, fundamento para a decisão de encerramento da reunião pelo Presidente.
Caso não tenha sido tumultuosa, os actos praticados nesse período não são inválidos, ( pelo menos com esse fundamento) e a decisão de encerramento perde fundamento.

Primeiro temos de perceber qual o significado de uma reunião “tumultuosa”, e, também, descortinar o escopo da sanção de nulidade das deliberações tomadas nestas condições ( ratio legis). Basicamente, tumulto significa uma perturbação anormal da ordem. Significa também agitação, desordem, perturbação, pânico, distúrbio, algazarra. Todos estes sinónimos indiciam uma desordem grave, anormal e impeditiva de tomada de decisões de forma racional, civilizada e objectiva. Gritaria, ofensas pessoais, agressão físicas, agitação serão, normalmente, indícios de tumulto.
A ratio legis é dupla: assegurar a liberdade dos membros e garantir as condições necessárias para a tomada de decisões de forma esclarecida, sem coacção, enfim, de forma livre.
Ora, não parece que esta reunião se possa enquadrar na categoria de “tumultuosa”. De facto, não houve desordem, nem violência, nem ameaças, nem agressividade verbal, excepto a utilização, por um vogal de uma expressão menos correcta, mas de uso corrente em situações informais e não gravemente ofensiva, dirigida ao Presidente, sendo que este comentário foi respondido à letra pelo visado.






Também foi invocado pelo Presidente do CJ o comentário do vogal dr.Troca-Tintas: “presidente: ou revogas a decisão ou levas com um processo disciplinar com suspensão imediata!”. Mas, como facilmente se depreende, não há aqui qualquer ameaça, a não ser a do legítimo exercício de um direito que assistia ao dr. Troca-Tintas. De acordo com o artigo 47.º/1,f) dos Estatutos compete ao CJ exercer o poder disciplinar sobre os titulares de orgãos sociais da FPF. Assim, dado que a proposta do dr. Troca-Tintas se reportava a questões disciplinares, sendo o CJ um dos orgãos sociais da FPF e sendo o seu Presidente um dos titulares do orgão, estaria legitimada esta actuação do vogal.
Apesar de não estar inscrito na ordem de trabalhos, teria sido correcto por parte do Presidente, usar do poder do artigo 19.º CPA e abordar a questão de imediato.

Assim, vai ficando mais claro que também não parece existir qualquer fundamento para o encerramento precoce da reunião pelo Presidente do CJ.
Para a sua decisão, o Presidente invocou o artigo 9.º,b) do Regimento do CJ, embora não pareça ser aplicável a este tipo de decisões. Aplicável seria sim, o artigo 14.º/3 CPA, que confere aos presidentes dos orgãos colegiais o poder de encerrar antecipadamente as reuniões caso se veriquem circunstâncias excepcionais, devendo haver fundamentação. Mas, ainda que existam circunstâncias excepcionais, não pode deixar de se ter em conta o princípio da proporcionalidade ( artigo 5.º/2 CPA e 266.º/2 CRP).
Como já ficou patente, nada houve de extraordinário, nem de excepcional nesta reunião. Logo, não haveria fundamento para este decisão do Presidente. Para mais, ela é violadora do princípio da proporcionalidade, na medida em que, mesmo que o Presidente pensasse que não estariam reunidas as condições necessárias para a tomada de decisões naquele momento, ainda assim, estariam ao seu dispor, outras alternativas adequadas para resolver a situação e menos gravosas. Nomeadamente, teria a possibilidade de suspender a reunião por breves momentos, de formar a tentar encontrar forma de resolver o problema. Para mais, existia uma necessidade ( ou interesse público desportivo) urgente de decisão das matérias inseridas na ordem de trabalhos.
Esta decisão do Presidente revela a sua não prossecução do interesse público. Mas há também indícios de que houve, ao invés, prossecução de interesses pessoais do Presidente. A sua única preocupação foi a de impedir a tomada das decisões sobre os recursos e também a não decisão sobre a sua eventual suspensão. De facto, o Presidente conhecia a posição dos vogais relativamente ao sentido da votação dos recursos, e sabia também da desvantagem da sua posição. Com impedimento do dr.Fintas já a situação seria outra, e que lhe permitiria levar a sua posição avante ( empate de votos, com “voto de qualidade” do Presidente). Falhando isto, e com a ameça à sua posição no seio do CJ, o Presidente tomou a única e melhor medida, para si.

É manifesto que, de tudo o que se disse resulta que a decisão de encerramento antecipado da reunião foi ilegal. De facto, foram violados os princípios da proporcionalidade, da democraticidade das federações desportivas, e há prossecução de interesses privados. Assim, qual a consequência desta ilegalidade? Não pode deixar de ser a nulidade por desvio de poder ( 133.º/1 CPA), na medida em que falta um dos elementos essenciais do acto, que é o fim legal ( ou seja, o interesse público a prosseguir, exigido pelo 266.º/1 CRP). Este entendimento está também de acordo também com a jurisprudência ( veja-se o Ac. STA de 17/2/2004).
Conclui-se assim, que a decisão de encerramento da reunião pelo Presidente não era válida e não produzia quaisquer efeitos ( 134.º CPA).


4): A acta da primeira parte da reunião

A acta da reunião do CJ de 4 de Julho de 2008, tal como lavrada pelo dr. Roberto Leal, sob a direcção imediata do dr. Tomaz Amaral, e por ambos rubricada e assinada, foi também presente aos vogais do CJ que decidiram continuar aquela reunião, mesmo na ausência do presidente e do vice-presidente daquele órgão. Os mesmos vogais, por acharem que o conteúdo daquele documento descrevia o que efectivamente se tinha passado desde o início da reunião do dia 4 de Julho de 2008 até à declaração do seu encerramento pelo dr. Tomaz Amaral, cerca das 17.55 h, decidiram todos, no final, cerca da 00.45m do dia 5 de Julho de 2008, isto é, quando foram dados por concluídos os trabalhos agendados para a reunião do dia 4 de Julho, rubricar também as fls. 24 e 25 do Livro de Actas n.º 1 do mandato de 2007 a 2011 do CJ.

Quanto a esta parte não há muito a dizer. A acta parece obedecer a todos os requisitos legais constantes dos artigos 27.º e 28.º CPA. Ou seja, a acta existe, contém o resumo do que que ocorreu na reunião, cumpre as menções exigidas pelo artigo 27.º/1, foi lavrada pelo secretário, foi assinada pelo Presidente e pelo secretário, e aprovada também pelos restantes membros ( ainda que apenas às 00h45).
O Decreto-lei n.º 144/93 prevê um regime mais simplificado no que toca à aprovação das actas. Dado que constitui norma especial posterior a uma norma geral anterior, o Decreto-lei n.º 144/93 prevalece sobre o CPA. Assim, se só houve uma reunião ( como se verá), as assinaturas só tinham de ser apostas no final da reunião, o que veio efectivamente a ocorrer.


5): Reabertura da reunião

Uma vez decidido não reconhecer efeitos à declaração de encerramento da reunião do CJ de 4 de Julho de 2008 proferida pelo seu presidente, e atenta a ausência do vice-presidente dr. Amorim Solnado, os restantes membros daquele órgão começaram por indicar o vogal dr. Silva Mendes para dirigir os trabalhos – por ser ele o vogal que, entre os presentes, ocupava a posição mais elevada na lista eleita na Assembleia Geral de 6 de Janeiro de 2007. O mesmo, todavia, e como consta da acta, não aceitou tal incumbência em virtude de se sentir momentaneamente indisposto. De qualquer modo, e como também resulta da acta, este vogal não só não abandonou a sala, como continuou a participar, na qualidade de vogal.Para presidir à reunião foi então designado, “por consenso dos membros presentes”, o vogal dr. Troca-Tintas – o nome que figurava imediatamente a seguir na citada lista eleita em Assembleia Geral.

Como já se viu, o encerramento da reunião não foi tomado de forma válida. Havendo nulidade, não havia obrigatoriedade dessa decisão. Logo, a decisão dos cinco vogais em prosseguir a reunião é legítima, havendo também quorum, de acordo com o artigo 5.º do Regimento do CJ. Julgo que era até seu dever prosseguir a reunião, dado o interesse público urgente em ver a situação resolvida a tempo do sorteio da Liga.
Quanto à eleição do Presidente-substituto dever-se-ia aplicar o artigo 4.º do Regimento CJ, e não o artigo 15.º do CPA, com base nos mesmos fundamentos de especialidade das normas desportivas, de forma já exposta atrás. Assim, a eleição foi válida, dado que faltavam o Presidente e o Vice-Presidente. É o que diz, precisamente esse artigo 4.º do Regimento: na falta do Presidente e do Vice-Presidente será Presidente-substituto quem for nomeado pelos vogais.





6): A segunda parte da reunião

São os seguintes os factos apurados:Durante a 2.ª parte da reunião foram aprovadas as seguintes seis decisões que constam de fls. 26 e 26, verso, do Livro de Actas n.º 1 do mandato de 2007 a 2011 do CJ :
1. Para o caso de não ser considerado nula a decisão de encerramento da reunião proferida pelo presidente do CJ, a revogação da mesma com fundamento em ilegalidade (cinco votos a favor);
2. Sob proposta do presidente do CJ em exercício e após o mesmo se ter ausentado da sala, a instauração de um processo disciplinar ao presidente titular do CJ dr. Tomaz Amaral (a votação, por voto secreto, teve o seguinte resultado: três votos a favor e um branco);
3. Nos mesmos termos, a suspensão preventiva imediata do presidente (votação e resultados idênticos aos referidos no número anterior);
4. A participação, nomeadamente através do “envio de fotocópias das actas” daquela reunião, da deliberação de instaurar um processo disciplinar ao dr. Tomaz Amaral e de suspender imediatamente o exercício das suas funções enquanto presidente do CJ ao Presidente da Assembleia Geral e ao Presidente da FPF “para os fins tidos por convenientes” (cinco votos a favor);
5. A revogação do despacho do dr. Tomaz Amaral de considerar impedido o vogal Dr Fintas quanto aos processos de recurso n.ºs 36 a 45 (cinco votos a favor);
6. A deliberação de não apreciar, por inutilidade superveniente, o pedido de suspeição oposto pelo Capital do Móvel Fc ao dr. Tomaz Amaral, enquanto presidente do CJ (cinco votos a favor).Após estas votações, a reunião foi interrompida, das 21.30 h às 23.00 h, para jantar.

Quanto à primeira decisão, sendo nula a decisão de encerramento da reunião, não seria necessária. Assim, feita sob condição, não se verificando a condição, a decisão extingue-se.
A instauração do processo disciplinar contra o Presidente era, como se viu, admissível. No entanto, não constava da ordem de trabalhos desse dia, havendo então vício de forma gerador de anulabilidade. A suspensão preventiva do Presidente do CJ enferma de dois vícios de forma. Tal como na instauração do processo disciplinar há o desrespeito pela regra do artigo 19.º CPA, e parece também existir falta de audiência prévia do visado com a suspensão, nos termos dos artigos 100.º e s.s. do CPA. Os vogais podiam, porventura, ter recorrido à excepção prevista no artigo 103.º/1,a) CPA, mas não o fizeram, tornando-se também este acto anulável ( 135.º CPA). No entanto, até à sua revogação ou anulação estes dois actos produzem efeitos.
Quanto à quinta decisão, podia-se remeter para os fundamentos avançados para a primeira situação. Considerou-se a declaração de impedimento feita pelo Presidente como nula, não havendo assim necessidade de revogação.
Em relação à última decisão pode dizer-se que estiveram bem os membros do CJ em não apreciar o impedimento do Presidente, dado que este já estava suspenso das suas funções, não se encontrando sequer presente.
Um último pormenor prende-se com a falta de menção na acta desta interrupção. Esta deveria constar da acta.




7): A terceira parte da reunião

Retomados os trabalhos, pelas 23.00 h, a reunião prosseguiu até cerca das 0.45h com a apreciação dos recursos inscritos na “Tabela – Recursos” respeitantes ao caso “Apito Final” – processos de recurso n.ºs 36, 37-38, 39-40, 41-42-43, 44-45 e 46, tendo sido adoptadas as decisões referidas na fl. 27 do Livro de Actas n.º 1 do mandato de 2007 a 2011 do CJ .
Cumpre, a tal respeito, salientar a coerência das votações do dr. Silva Mendes com as posições por si assumidas na reunião preparatória de 16 de Junho de 2008, data em que, ao lado do vice-presidente dr. Amorim Solnado, se pronunciou contra a admissibilidade e valoração como meio de prova em processo disciplinar de escutas telefónicas ou de transcrições das mesmas constantes de certidões extraídas de processos do foro criminal. Com efeito, no que se refere ao processo de recurso n.º 36, tais meios de prova não constituíam condição necessária nem suficiente da pertinente condenação – daí a votação por unanimidade no CJ. Já quanto aos demais recursos decididos nesta fase da reunião – os processos n.ºs 37-38, 41-42-43 e 44-45 -, as decisões recorridas pressupunham a admissibilidade de tais meios de prova em processos disciplinares – daí a votação por maioria, 4 votos a favor e um contra, justamente do dr. Silva Mendes que, em cada caso, juntou uma declaração de voto.
A terceira e última parte da reunião do CJ, de 4 de Julho de 2008, foi validamente encerrada às 00h45m.


A análise jurídica destas decisões não parece revelar nenhuma ilegalidade.
Do ponto de vista orgânico, as decisões foram tomadas em sede de recurso pelo CJ, referentes a decisões sancionatórias da competência da Comissão Disciplinar da Liga. Estes recursos são efectivamente da competência do CJ. A forma de apresentação e os prazos dos recursos foram correctos.
Correcta e válida foi também a votação ( unânimidade no processo de recurso n.º 36; quatro a um nos restantes).
Assim, sendo legais as decisões, e sendo recusas de provimento, todas as decisões vieram confirmar totalmente as decisões recorridas, excepto num caso. Portanto, têm natureza confirmativa, tirando no caso da decisão parcialmente procedente, que também tem uma vertente revogatória.
Estas decisões, sendo legais, fazem também caso julgado, logo que transitadas e notificadas às partes, tornando-se, consequentemente, obrigatórias para os seus destinatários ( artigos 55.º e 56.º/1 e 2 do Regulamento do CJ).





Conclusão:

1) : A primeira parte da reunião decorreu de forma perfeitamente normal.
2) : A suscitação e os fundamentos do impedimento lançado sobre o dr. Fintas são incorrectos. O que poderá, eventualmente, existir é uma incompatibilidade genérica por cumulação de cargos ( vogal do CJ e parte integrante da lista de peritos do Regulamento do Estatuto, da Inscrição e Transferências de Jogadores), o que violaria o artigo 13.º/2 dos Estatutos da FPF, e que levaria à perda do mandato ( 17.º,c)). Para declarar a perda do mandato nestes termos era competente o Presidente da Assembleia Geral. Assim, havia nulidade por usurpação de poder, e não produzindo efeitos, esta decisão não era obrigatória para o dr. Fintas, nem impeditiva de este continuar a participar na reunião.
3) : Não havia qualquer fundamento para o encerramento antecipado: a reunião não foi tumultuosa para efeitos do artigo 133.º/2,g) CPA, nem houve nenhuma circunstância excepcional para os efeitos do artigo 14.º/3 CPA. O interesse público não foi o motivo principalmente determinante deste acto. Só houve interesse pessoal em não ver votada a proposta num sentido diferente do desejado pelo Presidente do CJ e em manter a posição no CJ intocável. A decisão padece assim de nulidade por desvio de poder ( 133.º/1 CPA).
4) : A acta rege-se pelo artigo 33.º do Decreto-lei n.º 144/93, que exige a assinatura de todos os membros presentes no final da reunião. Foi o que aconteceu.
5) : Havendo nulidade da decisão de encerramento a reunião podia, e devia, prosseguir. A designação do Presidente-substituto ocorreu dentro da legalidade ( artigo 4.º do Regimento do CJ).
6) : Há duas decisões anuláveis ( produzindo efeitos até à sua anulação): a decisão de instaurar processo disciplinar ao Presidente, por não constar da ordem de trabalhos dessa reunião ( artigo 19.º CPA); a decisão de suspensão do Presidente do CJ, não só por não constar igualmente da ordem de trabalhos, mas também por falta de audiência prévia ou o seu afastamento fundamentado na urgência da decisão.
7) : Na terceira parte da reunião não foi detectada nenhuma ilegalidade e as decisões aí tomadas são obrigatórias, e fazem caso julgado.




Tal é o meu parecer, salvo melhor.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2008,

Empreitadas do Amaral

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