domingo, 14 de dezembro de 2008

PARECER JURÍDICO - SUB-TURMA 12

PARECER JURÍDICO



SOBRE A QUESTÃO DE SABER SE, DO PONTO DE VISTA DO DIREITO, NA REUNIÃO, DE 4 DE JULHO DE 2008, DO CONSELHO DE JUSTIÇA DA FEDERAÇÃO POPULAR DE FUTEBOL FORAM COMETIDAS QUAISQUER ILEGALIDADES E QUAL O DESVALOR QUE AS ENFERMA




“Se o homem honesto deve abandonar tudo o que possui pela Paz, em prol daquele que colocará suas mãos violentas sobre seus bens e sobre os que lhe são caros, eu quero que seja considerado que tipo de paz haverá no mundo, que deve ser mantida apenas em benefício dos ladrões, bandidos e opressores. Quem não estranharia o tratado de paz, que os poderosos estabelecem com os humildes, quando o cordeiro, sem resistência, oferece sua garganta ao lobo imperioso para que este a dilacere?” (LOCKE, John. Segundo Tratado sobre Governo Civil. 1680.)






Dos Factos Incontrovertidos e Incontrovertíveis:


Após audição de todos os intervenientes, e fazendo menção a factos notórios, e públicos, conclui-se que:

-A Federação Popular de Futebol [FPF] é uma pessoa colectiva de direito privado (art. 20º da Lei de Bases do Desporto), a qual foi declarada como sendo de utilidade pública desportiva (conforme habilita o mesmo diploma no seu art. 22º);

-O Conselho de Justiça [CJ] é um órgão social da FPF, com competência para conhecer e julgar os recursos das deliberações tomadas pelo Conselho de Disciplina [CD] da FPF e pela Comissão Disciplinar da Liga [CDL];

-O Funcionamento do CJ é regulado por Regimento próprio (Anexo I), estando disposto na Parte VII, do referido Regimento, uma regra geral de subsidiariedade que manda aplicar o Código de Procedimento Administrativo [CPA] e o Código de Processo dos Tribunais Administrativos [CPTA] às situações omissas;

-No dia 4 de Julho de 2008, pelas 16 horas, teve início reunião do Conselho de Justiça [CJ] da Federação Popular de Futebol;

-Tinham sido suscitados por parte de alguns intervenientes, e interessados, o impedimento do Presidente do CJ bem como do Vogal Dr. Fintas;

-A reunião começou por decorrer sem incidentes e de acordo com a ordem de trabalhos prevista, tendo sido votados por unanimidade os três primeiros processos de recurso inscritos na tabela anexa à ordem de trabalhos;

-Pelas 17 horas, o Presidente do CJ suspendeu os trabalhos, ausentando-se da sala onde decorria a reunião, na companhia do Secretário do CJ;

-Ambos se dirigiram para uma outra sala, onde o Presidente do CJ solicitou ao seu Secretário que um documento, por si trazido – “Decisão dos incidentes de impedimento e suspeição do Vogal Dr. Fintas suscitados por Belavista FC e por Pinto de Costas” - fosse impresso em duplicado em papel timbrado do CJ; documento esse que foi aí rubricado e assinado pelo Presidente do CJ;

-O Presidente do CJ pediu ao Secretário do CJ que chamasse o Vogal Dr. Fintas, para ser notificado da decisão contida no documento que tinha acabado de assinar;

-A reunião é retomada com a notificação do Vogal Dr. Fintas, inscrevendo este o seguinte texto: “Tomei conhecimento. Alego incompetência material, remetendo a questão para o Pleno do CJ da FPF”;

-O Presidente do CJ explicou a sua decisão, recusando dar a palavra ao Vogal Dr. Fintas, por já conhecer os argumentos utilizados;

-O Vogal Dr. Fintas reagiu a esta decisão mandando o Presidente “Para o raio que te parte”, respondendo o Presidente do CJ no mesmo tom dizendo “Vai tu para o raio que te parta”;

-Os restantes Vogais pediram ao Presidente que revisse a sua posição, tendo o Vogal Dr. Troca-Tintas dito: “Presidente, ou revogas a decisão ou levas com um processo disciplinar com suspensão imediata”;

-Instalado um clima de “troca de galhardetes”, o Presidente do CJ decidiu apenas dar a palavra aos restantes membros do CJ que pretendessem intervir, desde que ditassem directamente para a acta;

-Vogal Dr. Troca-Tintas pede a palavra, ditando para a acta um requerimento destinado à suspensão imediata do Presidente do CJ;

-Pelas 18 horas, o Presidente do CJ, considerando não estarem reunidas as condições mínimas que garantissem o regular funcionamento e andamento dos trabalhos encerrou a Reunião;

-O Presidente do CJ abandonou a sala na companhia do Secretário do CJ para que fosse elaborada a acta da Reunião, tendo posteriormente também abandonado a sala o Vice-Presidente do CJ;

-Os restantes Vogais do CJ decidiram continuar a Reunião, não reconhecendo efeitos à declaração de encerramento por parte do seu Presidente;

-Procedeu-se à substituição do Presidente do CJ, passando a presidir à referida Reunião o Vogal Dr. Troca-Tintas, após recusa do Dr. Mendes da Silva alegando indisposição;

-O CJ indeferiu os recursos interpostos mantendo os castigos aplicados pela CDL;

-A Reunião foi encerrada, pela segunda vez, à meia-noite e 45.




A (não) Admissão das Escutas Telefónica como Meio Probatório:


Antes de se passar a uma análise detalhada de tudo o que se verificou durante a Reunião do CJ, importa perceber o porquê do clima de nervosismo vivido durante o dia de 4 de Julho de 2008. Todos os membros do CJ tinham a perfeita noção de que tinham de tomar uma decisão prévia à apreciação in concreto dos recursos – a admissão (ou não) das escutas telefónicas como meio de prova -. Esta decisão condicionaria de forma decisiva o próprio sentido de voto dos presentes uma vez que este meio de prova tinha sido a base acusatória que tinha levado aos castigos impostos pelo CDL, a Oporto, Belavista e Leiria. Tal resulta de forma particularmente clara nos casos do Leiria e de Oporto pois de acordo com o Regulamento da Liga Cash & Carry para que haja corrupção é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos: -que o agente activo seja um clube; - que o agente passivo seja um árbitro; - que exista uma solicitação a uma equipa de arbitragem; -que seja prometida qualquer oferta e – que a actuação do árbitro tenha condicionado o resultado desportivo. No caso concreto do Oporto e do Leiria, os peritos, todos eles antigos árbitros - Adelino Antunes, Vítor Pereira e Jorge Coroado – foram peremptórios em afirmar que não houve um favorecimento em nenhum dos jogos analisados –não se encontra preenchido o último dos requisitos apontados -, o que implica uma alteração da qualificação do crime para corrupção na forma tentada.
Nesta situação em que o jogo não serve de prova, porque de acordo com os peritos nada de anormal sucedeu no terreno de jogo, as escutas telefónicas vêm assumir um papel preponderante na decisão da aplicação do castigo.
Contudo a decisão da (não) admissão das escutas telefónicas como meio probatório não é uma decisão “livre”, é uma decisão que tem de ser tomada de acordo com o ordenamento jurídico vigente sob pena de todas as decisões tomadas estarem inquinadas e impedidas de produzir qualquer efeito.
A admissibilidade das escutas telefónicas encontra-se prevista exclusivamente no âmbito penal – art. 187º CPC – e foi pensado, para situações excepcionais em que um se formula a convicção da indispensabilidade das escutas para a descoberta da verdade e, apenas, para um conjunto de crimes que pela sua gravidade, complexidade e pelo alarme social causado – Associação Criminosa; Organizações Terroristas (cujo o nosso quadro jurídico enquadrou legalmente através de um regime especial subsidiário da Criminalidade Organizada - a este respeito “Terrorismo – A legitimidade de um passado esquecido” – Catarina Sá Gomes e João Salgado); posteriormente estendido ao que o criminalista americano Edwin Sutherland apelidou de criminalidade de “colarinho branco” - justifique a restrição a este Direito Fundamental, com relevância constitucional – art. 26º nº1 e 34º nº4 da CRP . Tal resulta, de resto, do catálogo de crimes elencado no referido artigo do CPP. Não deixa de ser surpreendente que, face ao exposto, este meio de prova tenha sido admitido no processo que correu paralelamente nos tribunais penais, ainda que não seja esse o propósito desta análise.
O nº 4 do art. 34 da CRP é taxativo quando diz “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”. Não é condição suficiente o facto de a prova ter sido validamente obtida para que a mesma possa ser utilizada num outro processo, ainda que o fim possa ser considerado razoável. Desta forma se compreende que esta decisão é uma decisão vinculada ab initio, se a CRP apenas autoriza o uso das escutas no âmbito do processo criminal, se as escutas como meio de prova apenas se encontram reguladas no CPP como era possível decidir pelo seu uso no âmbito de um processo disciplinar de natureza desportiva?! Tal significa que quer a decisão tomada em primeira instância pela CDL, quer a decisão tomada pelo CJ no dia 4 de Julho (não obstante poder existir outras fontes de nulidade, que serão abordadas oportunamente), que tiveram por base as mencionadas escutas, padecem de um vício logo na sua génese. Que vício? A nulidade de acordo com o art. 133º nº 2 d) do CPA - “são, designadamente, actos nulos: os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. A doutrina alemã, cuja constituição tem uma cláusula muito parecida com o nosso art. 18º nº 2 e 3 desenvolveu duas teorias que permitem identificar quando o “conteúdo essencial” de um direito fundamental é afectado. Por um lado temos as teorias absolutas que defendem que o “conteúdo essencial” se reporta a um espaço de maior intensidade valorativa (o “coração do direito) que não pode ser afectado sob pena de o direito deixar de existir, e por outro, as teorias relativas que apelam aos princípios de exigibilidade e da proporcionalidade: a ofensa ao direito só é legítima quando exigida para realização de bens jurídicos que devam ser considerados como mais valiosos. Por uma ou por outra teoria somos forçados a concluir que estamos perante uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental: 1- porque o direito em causa não conhece graus de restrição ou é violado ou não é. A partir do momento em que as telecomunicações são violadas, o direito desaparece; 2- porque um processo de natureza disciplinar nunca pode rivalizar e desta forma representar um bem maior que a violação de um direito fundamental. -.Qual a consequência? De acordo com o regime da nulidade constante no art. 134º nº 1 do CPA o acto nulo não produz quaisquer efeitos.
Quanto a esta questão os visados deveriam proceder a uma intimação para protecção de liberdades e garantias de acordo com o art. 109º e ss. do CPTA, inexistindo providência cautelar capaz de obter, em tempo útil, decisão que determine o desentranhamento das transcrições das escutas no âmbito do processo disciplinar de natureza desportiva.
Como suporte para a posição exposta supra, ainda que a inexistência de jurisprudência nunca possa constituir motivo para a não aplicação da lei, junta-se Acórdão 0878/08 do STA (Anexo II).




Questão Prejudicial:


Como foi referido anteriormente, o art. 76º do Regimento do CJ (Anexo I) manda aplicar o CPA nas suas omissões pelo que neste momento, e face a um processo pendente no STA, relativo à (não) admissibilidade das escutas em processo disciplinar (processo esse que resultou no acórdão apenso a este parecer como Anexo II) cumpre averiguar se estamos perante uma questão prejudicial nos termos do art. 31º do CPA.
O art 31º do CPA dispõe que o procedimento deve ser suspenso até que o tribunal se pronuncie, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos. Fundamentalmente aqui, o que releva é aferir é se a impossibilidade de se realizar o sorteio da Liga Sagres devido a uma indefinição quanto às equipas que a compõem (Belavista ou Capital do Móvel) se pode enquadrar na ratio do artigo. Eu entendo que sim, que caso o sorteio não pudesse ser realizado então estaríamos perante uma situação enquadrável no espírito do artigo, contudo tal não é assim, a suspensão do procedimento não é incompatível com a realização do mesmo (o único entrave à suspensão do procedimento), ainda para mais, estando o processo pendente conexo com o regime de direitos, liberdades e garantias proposto pela CRP, senão vejamos: 1- há uma equipa, o Belavista, que desportivamente, garantiu o seu direito de manutenção na Liga Sagres; 2- O recurso da decisão do CDL para O CJ tem efeitos suspensivos, pelo que o Belavista à data da Reunião do CJ ainda se contava, por direito próprio, entre as equipas que disputariam a Liga Sagres; 3- o Belavista no processo criminal, que corria paralelamente nos tribunais penais, encontra-se protegido pelo princípio de presunção de inocência, presunção essa que forçosamente terá de ser estendida a este processo disciplinar em virtude de a prova ter sido produzida e “emprestada” pelas entidades que procederam à investigação criminal; 4- o facto de estarmos perante uma situação que colide com o catálogo de direitos fundamentais (não dos clubes, naturalmente, mas dos seus dirigentes, nomeadamente o Presidente do Oporto, autor num dos recursos), questão já aflorada no ponto anterior, obriga a que se tenha um especial zelo nesta matéria.
Este 4º ponto necessita de algum desenvolvimento. O Prof. Vieira de Andrade na sua obra “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” autonomiza duas situações nas quais os direitos fundamentais podem ser restringidos – A restrição legislativa e a colisão ou conflito de direitos.
A primeira diz respeito aos casos em que a própria CRP autoriza a lei ordinária a restringir determinados direitos em alguns aspectos ou para determinadas finalidades – é o que sucede no art. 34º nº 4 da CRP, já supra mencionado. A CRP aceita a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações nos casos que a lei prevê, em matéria de processo criminal. Não é de todo esta a situação que se verifica no caso em apreço, não estamos sequer perante um processo criminal pelo que o direito fundamental aqui em equação não pode por esta via ser restringido.
A segunda diz respeito a situações em que se deva considerar que a CRP protege simultaneamente dois valores em contradição numa determinada situação concreta, que o autor resolve mediante um método de concordância prática, casuístico, através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito. Ora, nesta situação concreta só estamos perante um direito fundamental (art. 26º nº1 da CRP) pelo que uma decisão, no caso o CJ, que o “atropele”, não deitando mão ao mecanismo do art. 31 do CPA só pode ser nula pelos mesmos motivos apresentados no capítulo anterior.
É incompreensível que num contexto em que cedo se percebeu que o CJ estava dividido, existindo fundadas dúvidas quanto à admissão das escutas telefónicas e correndo, exactamente, um processo no STA que incidia sobre esta matéria, que o CJ em nome da segurança e da certeza jurídica não tenha encontrado fórmula capaz de “congelar” os recursos interpostos sabendo que tal levaria, sem margem para dúvidas, a uma melhor decisão.




Impedimentos


No dia 3 de Julho deram entrada na FPF cinco requerimentos (2 do Presidente do Oporto e 3 do Belavista) dirigidos ao Presidente do CJ respeitantes a um eventual impedimento do Vogal Dr. Fintas, bem como três requerimentos (por parte da Capital do Móvel) dirigidos aos membros do CJ alegando um eventual impedimento do Presidente do CJ.
O CPA não é particularmente detalhado ao tratar desta matéria, o que não invalida que resolva de forma satisfatória a questão em equação. Em primeiro lugar, cumpre referir que o art. 45º nº 3 e 4 atribui a competência para decidir dos impedimentos: ao presidente do órgão colegial (45º nº 3 do CPA) ou ao próprio órgão sem a intervenção do presidente quando o impedimento levantado seja sobre a sua pessoa (45º nº 4 do CPA).
Resta-nos verificar quais os fundamentos que estiveram por detrás dos pedidos de impedimento formulados. O Belavista e o Presidente do Oporto argumentam que o vogal Dr. Fintas se encontra impedido por ocupar dois cargos na FPF – o cargo de vogal do CJ, bem como o cargo de perito para efeitos do “regulamento do estatuto, da inscrição e da transferência de jogadores”, o que os Estatutos da FPF considera incompatível. Neste sentido era forçoso que para além de o Presidente do CJ declarar o seu impedimento naquela reunião (o que foi feito de forma válida), informasse a própria FPF para que esta suscitasse e promovesse a perda de mandato do Vogal Dr. Fintas de acordo com os arts. 17º c) e 71º nº 2 e 3 do Estatutos da FPF (Anexo III). A Capital do Móvel argumenta que o Presidente do CJ deve ser declarado impedido de participar na Reunião sustentando uma relação de proximidade entre o Presidente do CJ e o Presidente da Câmara Municipal (pai do Presidente do Belavista), por pertencer ao executivo camarário, ainda que representando movimentos políticos diferentes. Apesar de o argumento invocado não ter qualquer correspondência na lei (pense-se o que não seria, caso a FPF não pudesse/devesse solicitar um parecer ao Prof. Diogo Freitas do Amaral em virtude do seu filho Domingos – Director da revista Maxmen – em artigo de opinião no Diário Económico (Anexo IV) ter sido lesto e incisivo nas criticas que dirigiu contra os clubes envolvidos neste processo, antes do parecer ter sido requerido e, necessariamente, elaborado) o Presidente do CJ não poderia liminarmente rejeitar o pedido efectuado, cabendo ao pleno do CJ apreciar o requerimento sendo que a sua decisão só poderia ser uma – rejeitar o pedido.
O vício para a inexistência de tal observância é a anulabilidade de acordo com o art. 135º do CPA.




Cabe Recurso da Decisão de Impedimento do Vogal Dr. Fintas para o Pleno do CJ?


A resposta terá de ser negativa. O art. 138º do CPA diz-nos que os actos administrativos podem ser revogados mediante reclamação ou recurso administrativo, vamos ver em que termos: aparentemente durante a reunião terá sido feita uma reclamação, oral, ao Presidente do CJ para que este revogasse o acto (nos termos dos arts. 161 e ss.). Poderia o Presidente do CJ atender a este pedido? O acto, como concluímos anteriormente, é um acto válido pelo que a sua revogação é livre, não obstante as limitações impostas na letra do art. 140º do CPA. Estaremos perante uma destas limitações? Sim, a alínea a) do nº 1 refere como causa de excepção à livre revogabilidade dos actos a “vinculação legal”. Se os Estatutos da FPF (Anexo III) consideram incompatível a cumulação de funções exercida pelo Dr. Fintas, o acto não poderia nunca ser revogado.
Cabia recurso da decisão tomada? Sim, mas não para o pleno do CJ, o recurso adequado à pretensão do Dr. Fintas seria o recurso hierárquico impróprio, previsto nos arts 176º e ss do CPA, para a Assembleia-Geral da Federação pois sendo este o órgão que elege os titulares dos órgãos sociais da FPF, de acordo com o art. 15º da FPF, deve ser este o órgão supervisor competente para analisar esta questão (art. 176º nº 1 do CPA).
De facto, faria sentido que das deliberações tomadas pelo Presidente do órgão colegial (CJ, no caso) coubesse sempre recurso para o pleno, contudo não é isto que a lei determina pelo que à luz do Direito, o Dr. Fintas apenas poderia através de recurso hierárquico impróprio contrariar a decisão tomada pelo Presidente do CJ.




Como Qualificar a Recusa do Dr. Fintas em Abandonar a Sala de Reunião, Após Ter Sido Notificado do Seu Impedimento e como Deveria Reagir o Presidente do CJ?


Independentemente do mérito da decisão tomada pelo Presidente do CJ, o Vogal Dr. Fintas apenas poderia tomar uma atitude, ditar para a acta a razão da discordância pela decisão tomada e abandonar a sala de trabalhos para que estes pudessem prosseguir. A lei atribui competências próprias ao Presidente de órgãos colegiais (nomeadamente a competência para decidir dos impedimentos suscitados, abordada em detalhe no ponto anterior), competências estas que quando exercidas têm de ser acatadas.
Verificando-se a recusa do Dr. Fintas em abandonar a sala de reuniões, o Presidente do CJ deveria suspender imediatamente os trabalhos por tempo indeterminado até que o bom senso prevalecesse, fundamentando a sua decisão nesta linha de raciocínio inscrevendo-a na acta, de acordo com o art. 14º nº 3 do CPA.




A Decisão do Presidente do CJ Encerrar, Prematuramente, os Trabalhos Padece de Alguma Enfermidade Jurídica?


O CPA no nº3 do art. 14 prevê a possibilidade do Presidente de órgão colegial suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões quando se verifique circunstância excepcional que o justifique. Para tal é necessário que a reunião em causa se passe num clima de “tumulto”? Não, o CPA, na alínea g) do nº1 do art. 133º refere-o apenas como causa de nulidade das deliberações tomadas por órgãos colegiais mas não como pressuposto ou (única) justificação para que o Presidente de um órgão colegial possa dar os trabalhos por encerrados. A lei exige apenas que se verifique uma circunstância excepcional!
É indiferente o Presidente suspender ou encerrar a reunião? Não, através do princípio da proporcionalidade, plasmado no art. 5º do CPA, cumpre aplicar a menos gravosa das medidas aptas para se atingir o fim proposto. Devia o Presidente do CJ suspender ou encerrar os trabalhos? É difícil dizer, é inequívoco que a reunião decorreu para lá daquilo que é expectável e tolerável (talvez com excepção da Assembleia Legislativa Regional da Madeira). Deve-se ainda frisar, que estamos diante do órgão nacional máximo no que toca a justiça desportiva. Também não é menos verdade que esta decisão cabe exclusivamente ao Presidente do CJ, pelo que, não obstante a decisão poder sempre vir a ser criticável em abstracto, só ele saberá em rigor o que o levou a optar pelo encerramento em detrimento da suspensão. De todo o modo, e isto é que é importante, é que o clima atribulado que se verificava, com troca de insultos, é fundamento suficiente para que se possa decretar o encerramento dos trabalhos, não só numa reunião de âmbito desportivo como noutra reunião qualquer. Aliás, em qualquer regimento seja ele da Assembleia da República ou de uma Associação de Alunos é normal conferir poderes ao Presidente através de uma cláusula deste género, “Manter a ordem e a disciplina…podendo para isso requisitar e ou usar os meios necessários e tomar as medidas que entender convenientes” (retirado do art. 16º do Regimento da Assembleia da República).
Pelo exposto se conclui que esta decisão só pode ser considerada válida do ponto de vista jurídico.




A “Ameaça” Proferida Contra o Presidente do CJ – “Presidente: ou revogas a decisão ou levas com um processo disciplinar com suspensão imediata” é fundamento para alegar coacção?


A questão tem pouco interesse para o caso em apreço, assim como a “reunião tumultuosa” apreciada anteriormente, a “coacção” apenas serve de fundamento para a nulidade de qualquer acto tomado (art. 133º do CPA). Ora, se a alegada tentativa de coagir, foi feita na pessoa do seu Presidente e se a reunião foi encerrada por este, nenhuma deliberação terá sido tomada sob coacção.
Parece-nos que há uma tentativa de condicionar uma decisão mediante uma ameaça, ora, se coagir significa “forçar”, “obrigar”, não nos oferecem dúvidas de que estamos perante uma tentativa de coacção. Não nos impressiona o argumento de que a ameaça foi feita recorrendo a um direito. Pensemos numa situação em que a alguém é “sugerido” tomar determinada decisão ou, caso contrário, provas irrefutáveis de prática de um eventual crime seriam fornecidas à comunicação social. Ora aqui, a ameaça também se efectivaria através de um direito e ninguém tem dúvidas de que representa uma situação em que o interveniente é coagido.
De referir que a ameaça perpetrada é também ela de per se fundamento bastante para o encerramento prematuro dos trabalhos, situação abordada no capítulo anterior.




Após o Encerramento da Reunião por Parte do Presidente do CJ, Acompanhado pelo seu Vice-Presidente a Decisão de Continuar com a Mesma por Parte dos Restantes Vogais é Válida? E o Processo Disciplinar Instaurado Contra o Presidente do CJ?


Ora, se anteriormente concluímos que a decisão do Presidente do CJ encerrar a reunião é juridicamente aceitável, em coerência, apenas poderemos referir que tudo o que foi decidido para lá disso viola, de forma clara a lei. Nas doutas palavras do Prof. Freitas do Amaral, nas suas lições de Direito Administrativo, a reunião é um acto juridicamente inexistente, “é um quid que se tenta fazer passar por acto administrativo mas a que falta determinados elementos estruturais constitutivos que permitam identificar um tipo legal de acto administrativo”.
Ainda que a Reunião pudesse ter prosseguido de acordo com a lei, também o processo disciplinar instaurado ao seu Presidente não está isento de críticas: Em primeiro lugar de acordo com o art. 57º nº 2 do Regimento do CJ, o processo disciplinar deve ser ratificado na reunião seguinte, mas mesmo que a lei não o dissesse expressamente, recomendaria o bom senso que dado o clima de instabilidade vivido, que se marcasse reunião extraordinária, nos termos do CPA, para lidar apenas com esta questão. As acusações proferidas contra a pessoa do Presidente, depois da reunião, à comunicação social (Anexo V) são de tal forma graves que nunca poderiam ser apreciadas de forma leviana e sem se produzir prova bastante para considerar os factos como provados. Ao procedimento disciplinar foram ainda sonegadas as mais básicas manifestações de defesa que a lei impõe, tais como a notificação na pessoa do Presidente a informar que se iria discutir e votar a sua suspensão ou o principio de contraditório, pedra basilar em todo e qualquer contencioso de um Estado de Direito Democrático.
Não seria necessário, mas não é de mais repetir que tudo o que sucedeu posteriormente ao encerramento da Reunião por parte do seu Presidente deve ser tido por inexistente, pelo que nenhuns efeitos se podem atribuir a todas estas decisões.




Conclusões:


O nº 4 do art. 14º do CPA confere, ao Presidente, a faculdade de “interpor recurso contencioso e pedir a suspensão jurisdicional da eficácia das deliberações tomadas pelo órgão colegial que considere ilegais”. O Presidente do CJ deverá faze-lo mediante apresentação de providência cautelar (art. 112º do CPTA), contudo caso seja solicitado “interesse público” e este for aceite, terá como consequência a anulação da suspensão.
Deve ainda intentar nos tribunais administrativos uma acção administrativa especial para impugnação de acto(s) administrativo(s), de acordo com o art. 50º e ss. do CPTA.
Os restantes intervenientes e interessados que manifestem intenção de impugnar judicialmente a reunião poderão igualmente faze-lo através de acção administrativa especial para impugnação de acto(s) administrativo(s), bem como proceder a uma intimação para protecção de liberdades e garantias de acordo com o art. 109º e ss. do CPTA, inexistindo providência cautelar capaz de obter, em tempo útil, decisão que determine o desentranhamento das transcrições das escutas no âmbito do processo disciplinar de natureza desportiva, conforme se referiu no lugar devido.

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